Cristo mandou-nos “lembrar”. “Fazei isto em memória de mim.” Ele tornou possível que em todo o momento seja verdadeiramente real a possibilidade de tornar actual a sua vida.
Há muitos dos seguidores de Cristo que se pareceram bem com Ele. E, de alguma maneira, também a sua vida se actualiza na história e continua a ser para os homens de hoje fonte de inspiração. Os grandes homens da história, os grandes santos continuam a ser marcos marcando a vida de gerações. Esta afirmação quer ser feita hoje a respeito do Padre Joaquim Alves Correia.
Viver Aquém e Além
Em 1951, a um de Junho, morria, exilado do seu País, o Padre Joaquim Alves Correia. Morria concordando em morrer. “Estou de absoluto acordo com a disposição do Pai Celeste e pronto a marchar”. (carta de 27-03-51). O Doente “entregou-se à vontade de Deus, edificando a comunidade com a sua piedade”. (Arch. Pittsburg, 187; 12-04-51).
O P. Francisco Lopes, biógrafo do Padre Alves Correia, escreve ao referir-se à sua morte: “Extingue-se o homem, mas não o eco evangélico das palavras com que vergastava os que desafiavam a justiça da humanidade, sorvendo o sangue dos irmãos para matar a sede infrene que lhes devorava as entranhas desumanas”.
O doutor Braga da Cruz, no prefácio do livro “O Pe. Joaquim Alves Correia” (editado por Editora Rei dos Livros”) escreve: “O P. Joaquim Alves Correia foi uma figura paradigmática do seu tempo e precursora do nosso, porque viveu na fronteira dos dois, fiel à tradição, aberto ao futuro. Como sacerdote católico e missionário, foi homem de Deus e um homem do povo. Pertence por isso ao património eclesial português como também ao património democrático nacional. Nessa dupla qualidade … deve ser lembrado e louvado”.
Estamos de acordo. A morte dos grandes homens e dos santos não os extingue, credita-os como pais de gerações, como luz que abre caminhos novos, como força que garante ultrapassar as dificuldades, como modelos na descoberta da verdade, na conquista da justiça, no construir da paz e no viver do amor.
Era um padre incómodo
Foram poucos os que conheceram no momento próprio o P. Joaquim Alves Correia. Recordo aquela imagem. Não é por trás de uma grande árvore que se vê a floresta”. O P. Alves Correia era grande demais. Porque era grande demais incomodava. Quem se não dá com a verdade e com a justiça, quem não defende a dignidade do Homem e os seus direitos cega-se, embrulha-se e enlameia-se na sua tacanhez e no esbracejar medroso fere-se a si próprio e procura que os demais não vivam.
Cristo teve que morrer. O P. Alves Correia teve que ser exilado. Amar a verdade e a justiça significa muitas vezes abanar tronos ( de dinheiro, de ideologias políticas, de estruturas de poder e de estilos de vida) erguidos em pedestal de barro (leia-se mentira). Por exemplo. Ensinar português aos de “Leste” não interessa para muitos da praça social porque deixam de ser “humildes, submissos, escravos” e aprendem a reivindicar em português o que lhes pertence – a sua dignidade. Há quem não tenha interesse que os imigrantes se legalizem. Como é que depois se lhes pode ficar com o dinheiro que dizem ser para a “segurança social” e pagar-lhes salários mais baixos sem as horas “extra” que fizeram? Se os imigrantes ficam com os direitos de “gente” é mais difícil explorá-los.
Alves Correia era demasiado “grande” para que no seu tempo os políticos o pudessem ver! E muitos dos que viram a sua “grandeza” tinham demasiado apego às coisas (leia-se cargos, posição social, mando político), à ordem estabelecida e medo dos que mandavam para sentirem coragem de o defender. Teve que ser exilado.
A Verdade e a Justiça
“Se o grão de trigo não morrer fica só”. Esta frase foi dita pelo Outro que também matámos. Muitos acreditamos na ressurreição. Feliz o homem que consegue acreditar. Porquê? Porque dá a certeza de que todas as sementes de bem vão germinar em nós e no Mundo. A verdade, a justiça e o amor têm força que nada corrói. Se hoje as não vemos, elas virão e viverão em plenitude. Eu creio. Vê se também consegues acreditar. Trabalhemos e esperemos.
Hoje o Padre Alves Correia teria a vida facilitada. Podia ter dito todas as verdades que disse sem ser molestado e não teria sido exilado. Bem, talvez, por decisão própria, fosse Lá dizer que “eles” não são os patrões do Mundo e os outros países o seu “caixote do lixo”. Talvez tivesse decidido ir a Estrasburgo ou Bruxelas gritar que a Europa não pode ser uma “fortaleza” sem portas de entrada; ou talvez tivesse ido a Angola pregar que a guerra não acaba com a guerra. E na sua comunidade espiritana podia ir à cozinha tranquilamente fazer as sandes para os pobres que tocam à porta.
Quase setenta anos depois somos capazes de sentir a presença do P. Joaquim Alves Correia. Ele é “um dos pais fundadores da democracia portuguesa” (Manuel Braga da Cruz); ele é “combatente intrépido pela justiça total… crente inabalável na força do Espírito Santo” (Anselmo Borges). Também hoje os Missionários do Espírito Santo, a cuja família pertence, o têm como fonte inspiradora dos seus gestos de solidariedade e modelo de luta pela justiça e pela paz. O CEPAC – Centro Padre Alves Correia, que acolhe milhares de imigrantes/ano, é um desses pequenos gestos.
O P. Joaquim Alves Correia é um homem de hoje que morreu há 69 anos.
P. Veríssimo Teles