«Não te desamparem a benignidade e a fidelidade; ata-as ao pescoço; escreve-as na tábua do teu coração e acharás graça e boa compreensão diante de Deus e dos homens.» Salomão
Os acontecimentos mais difíceis de lidar, de compreender e integrar para as primeiras comunidades foi sem dúvida os acontecimentos que nos preparamos, mais uma vez, para fazer memória em mais um Tríduo Pascal. De forma muito especial, terá sido dificílimo, o acontecimento que envolve todo o processo de entrega, tortura e morte de Jesus.
Contemplar Jesus, primeiro na última ceia, é contemplar um homem desarmado pelo amor que sente pela humanidade, e ao mesmo tempo, um homem extremamente fiel à missão a que se sentia chamado.
Chegado a este ponto da sua vida, poderia dizer-se que tinha acumulado mais fracassos que vitórias… sabia que estavam a persegui-lo, sobre si diziam-se todo o tipo de mentiras e comentários maliciosos e, para cúmulo, os seus amigos mais íntimos, com quem tanto tinha partilhado, não entendiam nada do que ele dizia ou fazia…
Sem dúvida que Jesus se deve ter sentido, progressivamente, mais só e incompreendido. No entanto, o seu olhar esteve sempre focado naqueles que amava. Sabe que a incompreensão dos seus não é intencional… não compreendiam porque não podiam, os seus corações ainda estavam fechados, duros e configurados para as expetativas antigas. Jesus vê-o, compreende-o, mas não se dá por vencido. O seu amor é tão grande e tão profundo, que até ao último momento considera que vale a pena o esforço para que entendam. Por isso na ceia, que ele pretende ser a última, os seus gestos são muito concretos e simples. Segundo João lava-lhes os pés… os outros contam-nos o gesto do repartir do pão e do vinho… fica a pergunta: “Compreendeis o que vos fiz?… fazei vós também assim!”
Estes relatos do evangelho são difíceis de ler e contemplar também para nós hoje (embora tenhamos o privilégio de os vermos iluminados pela Luz Pascal que perdura há mais de dois mil anos). São difíceis, não apenas pelo acontecimento em si claro, mas também pelos sentimentos que nos desperta.
Jesus é maltratado, humilhado, abandonado, traído, condenado injustamente, insultado… Ele que tinha proclamado o amor, a misericórdia e a riqueza de vivermos como irmãos. Ele que curara e consolara tanta gente. Ele que tinha parado tantas vezes perante as necessidades dos outros.
Humanamente, começa a crescer no nosso coração um sentimento de impotência, de irritação, o desejo de gritar a todos o quanto estão enganados, de nos pormos no meio da multidão e de o defendermos…
Mas, o modo como Jesus vai passando pelo meio de todos estes acontecimentos, é muito diferente. Não encontramos nele gestos nem palavras de violência ou ódio. No seu olhar não vislumbramos nenhum sentimento de vingança. Entrega-se e deixa-se conduzir com mansidão. Entrega e fidelidade, silêncio e … amor.
Este modo de Jesus se colocar perante a injustiça, de que é vítima (inocente), interpela-nos no incompreensível do seu amor e na perfeição da coerência com a sua mensagem. Mas tem que nos interpelar também na nossa vida. Por um lado, porque sabemos que este é o modo que Jesus também tem de nos olhar e de nos perdoar amando-nos a cada um, por outro lado, não podemos deixar de nos perguntar pela forma como olhamos e perdoamos quando nos sentimos injustiçados e mal tratados… “fazei vós também assim”.
Deixar-me olhar por Jesus, deixar-me lavar, deixá-lo falar-me ao ouvido, deixar-me abraçar com a confiança de estar diante de alguém para quem valho até ao último esforço… até dar a vida!… “dei-te o exemplo… faz também assim!”
Fátima Monteiro