A Ana e o Diogo conheceram-se nos Jovens Sem Fronteiras. Ela fez uma Missão no Brasil e ele em Angola. Casaram há sete anos. Perderam filhos no período da gravidez. Nasceu há dois anos e meio a Teresinha. Lançaram a ‘Esperança de Ana’ para apoiar os pais que perdem os filhos antes de nascer. Sentem que a sua Missão ainda está no começo…
No final daquele mês ficou a sensação de que há sempre muito mais a ser feito e hoje, 10 anos depois, fica a certeza de que a missão continua a dar frutos também nas vidas dos que foram e que conseguiram tocar na orla da cultura do sim.
Chegaram cedo aos JSF…como foi e como se cimentou o percurso de Missão?
Caminhar como JSF, vivendo o cariz missionário de ser cristão, estruturou desde muito cedo a nossa identidade como membros ativos de uma Igreja viva.
Entramos para o movimento como adolescentes/jovens, e caminhamos durante mais de 10 anos numa família onde pudemos conhecer muitos terrenos de evangelização e serviço, dentro e fora do país. O nosso percurso enquanto JSF faz-se em grupos distintos: No caso do Diogo na Paróquia de Nossa Senhora da Fé, Monte Abraão -Queluz, e no caso da Ana inicialmente na Paróquia Nossa Senhora do Amparo, Benfica, e posteriormente na Paróquia de São Tomás de Aquino, Luz Sul, Lisboa.
Fizeram ‘Pontes’. Que marcas ficaram para a vida?
Ana: Foi em 2005 que parti numa Missão que me levou às favelas de Cabo Frio, nas periferias do Rio de Janeiro. O projeto tinha como designação: ‘Educação e Saúde ao serviço da Justiça’. Foram vários os desafios que a equipa de 14 voluntários teve que enfrentar, e que se vieram a traduzir em valiosas aprendizagens e ganhos. Para mim, na época uma jovem enfermeira recém-formada, foi particularmente importante a consciencialização de que era possível e absolutamente fundamental trazer para a prática profissional a nossa identidade cristã, e como o facto de aceitarmos esse desafio se torna absolutamente enriquecedor e nos deve definir em todos os domínios da nossa vida. Depois, o confronto de uma forma muito real com um contexto de profunda pobreza e escassez de quase tudo, tornou-me uma pessoa muito mais atenta e disponível aos que vivem “na periferia”.
Diogo: Após uma reunião semanal nos Jovens Sem fronteiras, algo me chamou a dizer Sim (e começava aí o que me iria marcar na Ponte 2008). No Agosto seguinte juntamente com outros 16 jovens rumei até Angola, passando pelos bairros pobres de Luanda e fixando-nos todos em Chinguar, no planalto.
O Sim repetidamente nos visitaria nesta experiência missionária de curta duração. A mesma palavra era ouvida mesmo daqueles que não tinham acesso a eletricidade ou água, que não tinham o que vestir ou comer, mas que nos sorrisos e olhares traziam sempre positividade.
Sim (lá está) porque a nossa chegada onde quer que fosse era motivo de festa mesmo que obrigasse a fazer dezenas de quilómetros a pé debaixo de um sol forte. Como objetivo tínhamos a missão de fazer formação a formadores na área da educação, saúde, pastoral e promoção feminina e como já vinha sendo pauta de toda esta experiência, todos nos disseram sim: queremos ouvir, queremos saber, queremos aprender. No final daquele mês ficou a sensação de que há sempre muito mais a ser feito e hoje, 10 anos depois, fica a certeza de que a missão continua a dar frutos também nas vidas dos que foram e que conseguiram tocar na orla da cultura do sim.
Fomos percebendo que tínhamos percursos, valores e ideais semelhantes, e nesse ano começamos a namorar. Aí começava uma caminhada a dois de conhecimento, partilha e crescimento, que viria a fundamentar a decisão de iniciar o nosso projeto de construir uma família.
Conheceram-se nos JSF, namoraram e casaram. Como foi construído o vosso projeto de família?
Conhecemo-nos em 2003, mas foi em 2004, durante a primeira experiência missionária de ambos no movimento, em Ventosa, Vieira do Minho, que nos aproximamos. Fomos percebendo que tínhamos percursos, valores e ideais semelhantes, e nesse ano começamos a namorar. Aí começava uma caminhada a dois de conhecimento, partilha e crescimento, que viria a fundamentar a decisão de iniciar o nosso projeto de construir uma família. Casámos em 2010 e assumimos o compromisso de construir uma Igreja doméstica, encarando com responsabilidade o compromisso de nos mantermos ao serviço de Deus e abertos aos outros.
Nem tudo foram rosas na vossa vida matrimonial… querem partilhar o drama de perderem dois filhos na gravidez?
Sempre tivemos o desejo de ser pais, e desde cedo percebemos que iria ser um projeto de difícil concretização, pelo menos biologicamente falando. Após alguns estudos e num ambiente familiar de alguma apreensão e muita esperança, engravidamos espontaneamente no final do ano 2012. Foi uma gravidez muito difícil, com muitas complicações, e que exigiu de ambos uma grande entrega e muita serenidade.
No final do quinto mês de gravidez, “em plena Semana Santa”, a 8 de março de 2013, a Ana entrou em trabalho de parto e nasceu, já sem vida, a nossa primeira filha: Maria. De repente passávamos da condição de pais à condição do “casal que teve um aborto”. Uma experiência que nos levava a questionar: “Como podemos viver, superar esta provação à Luz do Evangelho? O que quer Deus que façamos agora?”
Os tempos que se seguiram foram de muita dor, reflexão, partilha e oração, e viriam a ser estruturantes na vivência da gravidez do nosso segundo filho. Nesse mesmo verão voltámos a engravidar e a 23 de dezembro de 2013, “em pleno Advento”, nasceu, desta vez ainda com vida, o Francisco, que era, no entanto, “muito pequeno e não resistiu”.
Foi particularmente difícil aceitar que, por os nossos filhos não terem o tempo mínimo de gestação de 22 semanas definido por lei (por escassos dias de diferença), não lhes pudemos preparar um serviço fúnebre condigno. A necessidade de nos despedirmos deles e o reconhecimento dessa como uma das etapas essenciais do processo de luto, levou-nos, em ambos os casos, a querer juntar os amigos e a família numa cerimónia muito simples de reconhecimento daquelas duas vidas e de entrega nos braços do Pai.
Esperança de ANA
Caminho de recuperação espiritual e psicológica na dor da infertilidade ou da perda de um filho durante a gravidez.
Mas, com fé e muita coragem, veio a Teresinha… Como vivem estes tempos novos?
A nossa terceira filha, Teresinha, nasceu em setembro de 2015, antecipando-se uns dias à comemoração da festa de Santa Teresinha, a 1 de outubro, que era a data prevista para o parto.
Ela é fruto de uma caminhada de fé e entrega, que não foi apenas vivida em casal. Desde que soubemos que estávamos novamente grávidos tivemos a família, amigos e amigos dos amigos a rezar por nós. Pedíamos particularmente que rezassem para que, independentemente do caminho a percorrer, fossemos capazes de enfrentar o que surgisse e nos conseguíssemos manter unidos e firmes na fé.
O nascimento da Teresinha foi vivido por todos com imensa alegria! Ela personifica um caminho de confiança, resiliência, mas também de muito gozo. E assim chegou ela: cheia de garra, determinação e muita, muita alegria.
Somos profundamente gratos a Deus por nos ter confiado tão importante missão.
Deram corpo à ‘Esperança de Ana’. Como nasceu e se alimenta este novo projeto de Missão?
Apesar de terem sido experiências extremamente dolorosas, procurámos em cada momento viver e integrar a perda dos nossos filhos na nossa vida como casal, como família. Esquecer não era opção. Não falar não era o caminho. Aqueles primeiros quatro anos de matrimónio foram de profundo conhecimento mútuo e de descoberta de caminhos, até então para nós insondáveis, de serviço, abnegação e entrega ao projeto de Deus para cada um de nós e para a nossa família. Depois do nascimento da nossa primeira filha em 2013, sentimos o apelo de dar sentido à dor, transformar esta experiência em serviço. Fomos então percebendo que havia muitos casais a passar por situações semelhantes e a viverem estas experiências em profunda solidão e sofrimento.
Em outubro de 2015 nasce o projeto “A Esperança de Ana” que tem como missão acompanhar na sua caminhada de fé os casais que vivem a perda de um filho durante a gravidez ou que enfrentam dificuldades para engravidar. A equipa integra dois casais, duas psicólogas, duas enfermeiras e tem como assistente o padre Jorge Anselmo. O projeto foi apresentado em 2016 ao Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e conta com o apoio da Pastoral Familiar da diocese. Para além do acompanhamento que pode ser feito, individualmente ou por telefone, e das orações comunitárias, são organizados semestralmente retiros que pretendem ser uma caminhada quaresmal individual e em casal, desde o acolhimento da realidade até ao conhecimento e aceitação do projeto de Cristo.
Que outras Missões para o futuro?
Neste momento, e prestes a comemorar o oitavo aniversário de matrimónio, e sem fazer muitos planos, colocamos o nosso projeto de família nas mãos de Deus, com humildade e generosidade.
Também no que respeita ao projeto “A Esperança de Ana” deveremos entrar numa fase de consolidação e alargamento da resposta a mais casais e famílias.
Como membros do movimento “Equipas de Nossa Senhora” desde 2011, queremos continuar a nossa caminhada de conhecimento mútuo e de Deus, num espirito de encontro e comunhão.
Temos ainda o desejo secreto (ou não tanto), agora com mais alguma maturidade, de poder vir a integrar novos projetos no seio da Família Espiritana.