O Espírito Santo toma conta da Igreja e chega-lhe o fogo quando sente que ela anda um pouco adormecida ou a girar á volta de si própria. Este Pentecostes foi marcado por uma série de decisões e intervenções do Papa que nos fazem sonhar com uma Igreja melhor.
Comecemos por aquilo que pode parecer menos importante: o Papa publicou uma nova legislação para garantir mais transparência na gestão dos bens económicos e prestação de serviços no Vaticano. Estas leis mudam muitas práticas, exigindo, por exemplo, a realização de concursos para fornecimentos de bens e prestação de certos serviços.
Outro grande momento foi a recitação do Rosário nos Jardins do Vaticano, em ligação com os maiores santuários marianos do mundo, incluindo Fátima. Foi um tempo forte de oração pela libertação deste covid19.
Depois, o Papa decidiu oferecer uma ambulância que, através da Esmolaria do Vaticano, vai apoiar os mais pobres de Roma.
Nas diversas intervenções de Pentecostes (homilia, Angelus, conta do twitter…), o Papa Francisco não poupou alertas e pedidos. Disse: ‘Não podemos sair os mesmos desta pandemia’. Pediu, assim, conversão, mudança de atitude, compromisso, estilo de vida mais sóbrio, mais, simples, mais ecológico, mais fraterno. Insistiu no combate ao egoísmo, dizendo que pior que esta crise é desperdiçar bens essenciais quando há tanta fome e tanta pobreza no mundo. Ao invocar o Espírito Santo para que dê sabedoria e discernimento para a transformação necessária e urgente da humanidade, o Papa concluiu que, se não enfrentarmos a pobreza também não valerá de muito matar este vírus.
Finalmente – mas não o menos importante – o Papa publicou a Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2020, servindo-se do profeta Isaías: ‘Eis-me aqui, envia-me’ (Is 6,8). Liga a pandemia à Missão, salientando os novos desafios a que a Igreja tem de responder: ‘fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda’. Estamos ‘assustados, desorientados e temorosos’. Neste contexto, ‘a chamada á Missão, o convite a sair de si mesmo por amor de Deus e do próximo aparece como oportunidade de partilha, serviço, intercessão’.
Mais á frente, depois de insistir na ‘Igreja em saída’ onde ninguém é excluído, o Papa recorda que ‘a vida humana nasce do amor de Deus, cresce no amor e tende para o amor’. Faz, de seguida, um apelo à resposta de cada um à vocação a que Deus chama, não tendo medo de entregar a vida à Missão da Igreja, olhando para a disponibilidade de Maria.
Regressando á pandemia e seus impactos, diz o Papa: ‘desafia-nos a doença, a tribulação, o medo, o isolamento. Interpela-nos a pobreza de quem morre sozinho, de quem está abandonado a si mesmo, de quem perde o emprego e o salário, de quem não tem abrigo e comida’. E avança o Papa, afirmando a sua profunda convicção de que o mundo hoje precisa, mais do que nunca de relações sociais de da relação comunitária com Deus. Ao evocar o fechamento das Igrejas durante a pandemia, o Papa pôs um dedo numa das feridas da Igreja: ‘A impossibilidade de nos reunirmos como Igreja para celebrar a Eucaristia fez-nos partilhar a condição de muitas comunidades cristãs que não podem celebrar a Missa todos os domingos’.
Como sempre, a Mensagem para o Dia Mundial das Missões termina com um convite á partilha solidária de bens com as Igrejas mais pobres, através da colecta organizada pelas Obras Missionárias Pontifícias.
Há anos, o Frei Fernando Ventura e o jornalista Joaquim Franco brindaram-nos com um pequeno livro cujo título era provocador: ‘Do ‘eu solitário’ ao ‘nós solidário’. É esta a interpelação mais forte desta Mensagem Papal, publicada em dia de Pentecostes. O Papa Francisco é muito claro ao desafiar a Igreja a uma abertura à novidade do Espírito, num período particularmente crítico da história da humanidade. Escreve: A Missão que Deus confia a cada um faz passar do ‘eu’ medroso e fechado ao ‘eu’ resoluto e renovado pelo dom de si’.
Foi, por todas estas boas razões, um Pentecostes a rasgar caminhos de futuro.