O mundo e a Igreja que nele vive estão a enfrentar uma epidemia que chegou de mansinho e não se sabe até onde estenderá os seus tentáculos. Por isso, a Missão da Igreja está a reconfigurar-se a estes novos tempos, respondendo a novos desafios.
O Papa Francisco, na mensagem anual para o Dia Mundial das Missões, começa por recuperar o texto belíssimo que pronunciou, sozinho, na praça de S. Pedro, a 27 de março:
‘À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furiosa. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados “vamos perecer” (cf. Mc 4, 38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos’. E conclui: ‘Estamos verdadeiramente assustados, desorientados e temerosos. O sofrimento e a morte fazem-nos experimentar a nossa fragilidade humana; mas, ao mesmo tempo, todos nos reconhecemos participantes dum forte desejo de vida e de libertação do mal. Neste contexto, o chamamento à missão, o convite a sair de si mesmo por amor de Deus e do próximo aparece como oportunidade de partilha, serviço, intercessão. A missão que Deus confia a cada um faz passar do «eu» medroso e fechado ao «eu» resoluto e renovado pelo dom de si’.
A Missão é sempre resposta a uma vocação de Deus. E o que Deus quer de cada pessoa nem sempre é fácil de perceber. Daí a importância do discernimento. Recorda o Papa: ‘A missão é resposta, livre e consciente, ao chamamento de Deus. Mas esta chamada só a podemos sentir, quando vivemos numa relação pessoal de amor com Jesus vivo na sua Igreja. Perguntemo-nos: estamos prontos a acolher a presença do Espírito Santo na nossa vida, a ouvir o chamamento à missão quer no caminho do matrimónio, quer no da virgindade consagrada ou do sacerdócio ordenado e, em todo o caso, na vida comum de todos os dias?’.
Pois não é fácil. Mesmo quando parece evidente que Deus quer a nossa vida para uma determinada forma de consagração, há perguntas que povoam o cérebro e obrigam o coração a responder: ‘Estamos dispostos a ser enviados para qualquer lugar a fim de testemunhar a nossa fé em Deus Pai misericordioso, proclamar o Evangelho da salvação de Jesus Cristo, partilhar a vida divina do Espírito Santo edificando a Igreja? Como Maria, a Mãe de Jesus, estamos prontos a permanecer sem reservas ao serviço da vontade de Deus (cf. Lc 1, 38)? Esta disponibilidade interior é muito importante para se conseguir responder a Deus: Eis-me aqui, Senhor, envia-me (cf. Is 6, 8). E isto respondido não em abstracto, mas no hoje da Igreja e da história’.
Estes tempos de pandemia geram angústia, abalam os fundamentos das nossas convicções e baralham-nos as ideias quanto ao futuro a construir. Por isso, são interpeladoras as palavras do Papa: ‘A compreensão daquilo que Deus nos está a dizer nestes tempos de pandemia torna-se um desafio também para a missão da Igreja. Desafia-nos a doença, a tribulação, o medo, o isolamento. Interpela-nos a pobreza de quem morre sozinho, de quem está abandonado a si mesmo, de quem perde o emprego e o salário, de quem não tem abrigo e comida. Obrigados à distância física e a permanecer em casa, somos convidados a redescobrir que precisamos das relações sociais e também da relação comunitária com Deus. Longe de aumentar a desconfiança e a indiferença, esta condição deveria tornar-nos mais atentos à nossa maneira de nos relacionarmos com os outros. E a oração, na qual Deus toca e move o nosso coração, abre-nos às carências de amor, dignidade e liberdade dos nossos irmãos, bem como ao cuidado por toda a criação’.
A Missão ganha novos contornos, mas é a Missão de sempre: ‘Neste contexto, é-nos dirigida novamente a pergunta de Deus – «quem enviarei?» – e aguarda, de nós, uma resposta generosa e convicta: «Eis-me aqui, envia-me» (Is 6, 8). Deus continua a procurar pessoas para enviar ao mundo e às nações, a fim de testemunhar o seu amor, a sua salvação do pecado e da morte, a sua libertação do mal’.
E, claro, nunca partimos sozinhos. Pedimos, por isso, a protecção de Maria: que ‘a Estrela da Evangelização e Consoladora dos Aflitos, discípula missionária do seu Filho Jesus, continue a amparar-nos e a interceder por nós’. A Mãe parte connosco.
A Missão faz-nos passar do ‘eu medroso’ ao ‘eu corajoso’. Ousemos partir!