IV Jornada Mundial dos Pobres
A enorme e bela Basílica de S. Pedro arrepiava de tão vazia que estava. Naquela 15 de novembro, o Papa Francisco convidou 100 pessoas frágeis para a IV Jornada Mundial dos Pobres. Nas celebrações anteriores, a Basílica enchia-se, havia um grande almoço e eram distribuídos muitos bens. A pandemia chegou sem avisar e atacou todos, sobretudo os mais descartados das nossas sociedades. Esta celebração, apesar de simbólica e reduzida na participação, foi densa e intensa, com um Papa de olhar abatido e cansado, a lançar diversos avisos à navegação.
Em dia de Santo António
António foi amigo dos pobres. São muitas as histórias, lendárias na sua maioria, que colam o Santo nascido em Lisboa a atitudes proféticas em favor dos mais desprotegidos daquele século XIII aqui em Itália. Em homenagem ao nosso Santo, o Papa publicou, a 13 de junho, a Mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres. Cinco meses depois, mantém uma atualidade gritante. Vejamos.
‘Estende a tua mão ao pobre’, gritou o livro do Ben-Sirá há muitos séculos e gritamos nós hoje, tal a injustiça sempre galopante. Temos que ‘superar as barreiras da indiferença’. Não podemos separar ‘o culto a Deus e a solidariedade com os pobres e os doentes’. Só seremos humanos se estendermos a mão e abrirmos o coração aos mais frágeis. A solidariedade fraterna não se contenta com palavras doces, mas implica atitudes concretas de vida doada.
As provocações do Papa
Questiona o Papa: ‘como podemos contribuir para eliminar ou, pelo menos, aliviar a marginalização e o sofrimento dos pobres? Como podemos ajuda-los na sua pobreza espiritual?’. Lembra ainda que ‘não podemos sentir-nos tranquilos, quando um membro da família humana é reduzido a uma sombra’. Em tempos de pandemia, foi bom ver tantas mãos estendidas às vítimas: a mão estendida do médico que se preocupa com cada paciente; dos enfermeiros que cuidam dos doentes; de quem trabalha na administração, do farmacêutico, do sacerdote, do voluntário, das pessoas que trabalham para prestar serviços essenciais e segurança. Conclui: ‘todas estas mãos desafiaram o contágio e o medo, a fim de dar apoio e consolação’.
A crise da pandemia
A covid 19 ‘colocou em crise muitas certezas. Sentimo-nos mais pobres e vulneráveis, mas amadureceu em nós a exigência duma nova fraternidade, capaz de ajuda recíproca e estima mútua’. Afirma o Papa: ‘este é um tempo favorável para voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo’.
Não podemos ficar de mãos nos bolsos, indiferentes, vendendo armas de morte, acumulando riquezas por caminhos de corrupção e lucro fácil, enquanto ‘os excluídos continuam a esperar’ e a desesperar, vítimas desta ‘globalização da indiferença’. Assim, as mãos que semeiam a morte têm de se transformar em ‘instrumentos de justiça e paz para o mundo inteiro’.
Na Basílica de S. Pedro
A Missa foi solene, mas simples. O Papa pediu a ‘graça de ver Jesus nos pobres’, obrigando os cristãos a mudar discursos em atitudes solidárias. Esta pandemia já terá feito mais de 100 milhões de novos pobres. A parábola dos talentos permitiu ao Papa lembrar a missão e obrigação de cada um pôr a render as suas qualidades, dons e bens. Há que arriscar para servir os mais pobres. Acusou: ‘quantas pessoas passam a vida só a acumular, pensando mais em estar bem do que em fazer o bem!’. São vidas vazias que esvaziam a história do mundo.
O mártir P. Roberto
O Papa Francisco terminou a homilia citando o exemplo do P. Roberto Malgesini que foi recentemente morto por uma pessoa sem abrigo que fazia parte do grupo que ele apoiava diariamente. É um mártir dos nossos dias: Este padre não fazia teorias; simplesmente, vai Jesus no pobre; e o sentido da vida, em servir. O início do seu dia era oração, para acolher o dom de Deus; o centro do dia, a caridade para fazer frutificar o amor recebido; o final, um claro testemunho do Evangelho. Esse homem compreendera que devia estender a sua mão aos inúmeros pobres que encontrava diariamente, porque em cada um deles via Jesus’.