A questão não é nova e ganha força num mundo cada vez mais diversificado e conflitivo. Será possível a coexistência pacifica das religiões e que juntas sirvam a causa da paz? Ou, pelo contrário, será necessário que para viver juntos remetamos a prática religiosa para o espaço privado da casa e dos lugares de culto de cada um?
Quanto mais praticantes mais tolerantes ou, pelo contrário, a convivência e boa colaboração implicam como preço uma prática selectiva de acordo com as circunstâncias?
Seria uma pena se a coexistência social fosse mais desenhada para não praticantes do que para crentes, pois acabaria por configurar um espaço que mais tarde ou mais cedo se revelaria insuficiente e decepcionante para todos aqueles que fazem da prática religiosa uma das componentes importantes da sua identificação e pertença social.
É verdade que não podemos meter tudo no mesmo saco; e nada como uma análise inteligente e realista do que costuma ser a teoria e a prática de cada um, e de cada comunidade, para nos ajudar. Por mim, penso que, no fundo, o crente sabe que a su fé é por natureza um diálogo procurando escutar o que apenas lhe é sugerido e confidenciado; pela sua própria experiência de crente devia aprender a respeitar aqueles que, como ele, ousam caminhar levados pela fé.
Esta experiência é ainda mais pertinente se pensarmos que neste diálogo entram tanto os de outras religiões como aqueles que não crêem, ou simplesmente não praticam. Mas há entre todos espaços de encontro e caminhos comuns que são exactamente os de pessoas respeitadoras e abertas ao que é o mistério do ser humano, tão profundo e frágil nas suas convicções que ao franqueá-las nos sentimos no limiar do sagrado. Ao contrário de outras mundividências que parecem apostar na ruptura e na transgressão como forma de afirmação pessoal, a nossa, apoiada na fé, nos leva ao encontro com o outro e à convergência no todo.
Os anjos em Belém cantaram glória a Deus nos céus e na terra a paz aos homens amados por Deus. O diálogo supõe isso mesmo: que no ser humano há uma natureza boa que a consciência do pecado não apaga. Por isso é possível o entendimento e o encontro. Da bondade do ser humano nasce a possibilidade da paz.
Num mundo em que muitas vezes as diferenças religiosas são manipuladas para fomentar a desconfiança e a guerra, interessa, pois, que de forma consciente, os que somos crentes invoquemos decididamente a nossa fé para fomentar e fundamentar a exigência da paz. Que seja a Paz a palavra final que orienta as nossas perguntas e esforços também nesta Quaresma.