1º Domingo da Quaresma
No começo de cada Quaresma somos confrontados com o episódio das tentações de Jesus, registado nos três evangelistas sinópticos. É, pois, com o exemplo de Jesus, resistindo às tentações, que damos início a este tempo de ‘estágio’, para nos exercitarmos nós também no combate vitorioso contra o inimigo comum.
À primeira vista, parece que as tentações a que Jesus foi sujeito, têm pouco a ver com as que constantemente nos espreitam, a roçar muito mais a ambição, a inveja, a desconfiança, o sexo, a cólera, o azedume.
A verdade é que as tentações a que Jesus foi sujeito têm muito a ver com as nossas e são um convite a descermos ao fundo do nosso coração e não nos contentarmos apenas com atacar as bolhas que vêm rebentar à tona da água, isto é, aquilo com que nos debatemos no dia-a-dia. É que se não limparmos o (pro)fundo do nosso coração, por mais que nos esforcemos, essas bolhas continuarão a vir à superfície.
A resposta de Jesus à primeira tentação – “nem só de pão vive o homem” – pretende mostrar-nos que o Homem não pode contentar-se em satisfazer apenas as suas necessidades mais básicas. O ser humano tem outras dimensões, outras exigências e aspirações que não podem ser reduzidas ao alimento e ao bem-estar material, tais como o amor, a amizade, a cultura, a contemplação, a gratuidade, a cidadania, a solidariedade, a relação com Deus.
A idolatria da riqueza e do poder, traduzida quer na admiração, na inveja ou na bajulação dos ricos e poderosos, quer no sacrifício das outras dimensões da pessoa humana no seu altar, é atitude que Cristo recusa terminantemente na segunda tentação: “ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto”.
A terceira tentação alerta-nos contra as nossas tentativas, frequentes e disfarçadas, em transformarmos Deus num socorro pronto e eficaz para serem ultrapassadas muitas situações e dificuldades a que a nossa incúria, imprevidência ou imprudência nos conduziram. Agora, ‘Ele que venha resolver’! E esquecemo-nos que Ele já há muito está ao nosso lado, como nos recorda S. Paulo: “a palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração”!
Já Bento XVI afirmou: “refletindo sobre as tentações a que Jesus foi sujeito, cada um de nós é convidado a dar resposta a esta pergunta fundamental: O que é que verdadeiramente conta na minha vida? Que lugar tem Deus na minha vida? O senhor dela é Deus ou sou eu? De facto, as tentações resumem-se no desejo de instrumentalizar Deus para os nossos próprios interesses, em querer colocar-se no lugar de Deus. Jesus sujeitou-se às nossas tentações a fim de vencer o maligno e abrir-nos o caminho para Deus”.
Por sua vez, o papa Francisco propõe conteúdos bem concretos para os meios mais tradicionais da vivência da Quaresma:
“Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas é passar da tentação de ‘devorar’ tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração.
Orar, para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos, com a ilusão de assegurarmos um futuro que não nos pertence. Assim, reencontraremos a alegria do projeto que Deus colocou na criação e no nosso coração: o projeto de amá-Lo a Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro, encontrando neste amor a verdadeira felicidade”.
Daí o seu convite: “a ‘quaresma’ do Filho de Deus consistiu em entrar no deserto da criação para fazê-la voltar a ser aquele jardimda comunhão com Deus que era antes do pecado das origens. Não deixemos que passe em vão este tempo favorável! Abandonemos o egoísmo, o olhar fixo em nós mesmos, e voltemo-nos para a Páscoa de Jesus; façamo-nos próximo dos irmãos e irmãs em dificuldade, partilhando com eles os nossos bens espirituais e materiais. Peçamos a Deus que nos ajude a realizar um caminho de verdadeira conversão”.