O autor é Monge do Mosteiro Cisterciense de S. Maria de Sobrado, na Galiza, depois de vários anos como pároco em Santarém. Os seus vários livros mostram o seu lado contemplativo, sem esquecer a experiência pastoral de muita proximidade com a vida quotidiana das pessoas, ganha enquanto animador de comunidades paroquiais e do Movimento Católico de Estudantes.
Já há dez anos que Carlos Antunes não nos brindava com uma obra publicada (‘Só o pobre se faz pão’ é de 2013). Voltou com este pequeno livro (127 pp) com um título de um dos poemas/oração de S. João da Cruz: ‘Oh noite que guiaste!’. Em jeito de introdução, diz que ‘urge encontrar dentro de nós as raízes da nossa comum humanidade’ (p.9). Para tal, há questões cruciais: ‘Podemos realmente viver em conjunto? A fraternidade é possível? A vida é melhor e mais feliz, quando partilhada?’ (p.10). A chave da história está no Evangelho: este ‘desconcerta a nossa previsibilidade, põe-nos em crise, desarmados diante do aberto da vida, faz-nos aprendizes da condição de mendigos, os que abrem as mãos e sabem esperar’ (p.11).
O livro tem partes distintas. Na 1ª, ‘despertar de um sonho’, o autor revela que ‘da experiência do encontro com o Deus misericordioso, que faz novas todas as coisas no coração humano, nasce a consciência de ser membro da raça humana (…), construtores empenhados por um mundo mais justo’ (p.18). ‘Somos relação e somos para a relação’ (p.20). ‘O olhar do coração é o único apto para a fraternidade, pois só ele vê o todo’ (p.22). ‘Os puros de coração são os que veem os outros, e toda a realidade, com o olhar de Deus’ (p.27).
A 2ª parte tem por título: ‘É preciso transver o mundo’. Lembra que ‘a experiência da vulnerabilidade é o caminho mais direto para nos conduzir, sedentos, ao coração’ (p.32). ‘Só dentro de nós podemos descobrir uma casa ampla, aberta, onde há lugar para todos’ porque ‘a vida em comum não é possível sem o aprofundamento da espiritualidade’ (p.39). ‘A compaixão é a linguagem da fraternidade’ (p.41). Por isso se compreende que ‘Jesus amplifica o sentido da família tornando-a plural e inclusiva, muito para além dos laços de sangue’ (p.44). ‘O melhor que temos para oferecer ao outro é a alegria da pertença, da relação, do encontro’ (p.49). Ao falar de uma Igreja em saída, Carlos Antunes confessa: ‘Não conheço expressão maior de criatividade do que a Páscoa de Jesus: onde tantos só viam morte, a vida floresceu, discreta, mas luminosa, frágil mas capaz de incendiar o mundo’ (p.50).
‘A força da vulnerabilidade’ é tema da 3ª parte. Diz: ‘o ser humano é incompletude, é procura, é desejo, é paixão e é não-saber’ (p.53). ‘A vida humana é travessia, é peregrinação, é Pascoa, é abertura ao inesperado’ (p.53). Mais adiante defende: ‘quando nos deixamos interrogar pela própria vida em diálogo íntimo com Deus, vamos percebendo que a nossa história, com todas as suas contradições, é um laboratório irrenunciável para fazer teologia’ (p.72). ‘Os nossos arranhões ou as nossas chagas mais profundas devem criar espaços de encontro nos lugares mais improváveis’ (p. 81). Deus garante: ‘Eu sou essa viagem: a passagem da terra do medo para a terra da alegria, eu sou a tua Páscoa, a mais bela viagem’ (p.85). ‘É a loucura do amor que salva, e não um sistema de cumprimento de mandamentos e de proibições’ (p.86). Por isso, ‘não cedamos facilmente à pressa das soluções. Nunca seremos capazes da alegria se não dermos tempo e amor aos nossos escombros’ (p.89). ‘O Evangelho é sempre vida em acontecimento, não é letra morta do passado. Ou nos atinge vitalmente ou nos escapa’ (p.92). ‘Somos discípulos do pastor ferido, identificado com os feridos da vida’ (p.96). Temos de ser ‘uma Igreja que habita o mundo com a atitude humilde de quem quer aprender, resistindo à sedução do poder e do privilégio’ (p.99). ‘Este é o tempo de uma Igreja de portas abertas para todas as pobrezas humanas (…), que se ponha incondicionalmente ao lado das vítimas, aliando sempre o consolo à busca da verdade e da justiça’ (p.101). ‘Diante de Deus, seremos sempre buscadores, pois onde termina a busca, começa a idolatria’ (p.115).
A terminar, o autor garante: ‘Uma Igreja amante da vida, capaz de escutar a voz de cada pessoa, é uma Igreja que se dedica à escuta de Deus no silêncio, é uma Igreja que deixa Deus ser Deus’ (p.118).
Pela lista de autores citados podemos concluir a riqueza do livro: João Paulo II, Papa Francisco, João Duque, José Frazão, Tomas Halik, Tolentino Mendonça, José Mattoso, Thomas Merton, J. Augusto Mourão, Simone Weil, entre muitos outros.
Paulinas Editora