Domingo de Ramos
A atual circunstância de pandemia, que força à simplificação máxima da cerimónia dos ramos, como que nos empurra para o mais importante deste dia: a narração da paixão e morte de Cristo.
Por sua vez, a versão de Marcos é caracterizada por uma extrema simplicidade, pois é a mais curta de todas e a mais despida daqueles pormenores que, ao longo dos tempos, foram fonte de inspiração para muitas considerações piedosas e comoventes. De facto, S. Marcos não faz referência à solidariedade das mulheres de Jerusalém, não fala do gesto corajoso da Verónica e até omite o encontro com sua Mãe.
Mas é no meio desta simplicidade e quase total normalidade – parece tratar-se simplesmente de mais uma execução – que mais emerge a pessoa de Jesus: num silêncio quase absoluto, sem um queixume, nem uma revolta; sem um olhar de raiva, de ódio ou de amargura, pois qual “cordeiro que se conduz ao matadouro, Ele não abriu a boca” (Is. 53,7).
Por outro lado, a sua extrema debilidade leva-o a aceitar a ajuda do cireneu, mas recusa a ‘anestesia’ do vinho com mirra, que aos condenados era oferecida. Todavia aceita que a esponja embebida em vinagre lhe refresque os lábios. Não é um super-homem, nem cerra estoicamente os dentes para não se deixar abater pelo sofrimento. Mas, serena e lucidamente, ele avança para a cruz.
Não havendo nada de extraordinário, o que terá então levado o comandante do piquete encarregado desta execução – aparentemente, apenas mais uma entre tantas – a exclamar: “na verdade, este homem era Filho de Deus”?
Na ausência da resposta, creio poder concluir que foi a serenidade de Jesus que tocou o centurião. Essa serenidade que ainda hoje se encontra em tantos doentes, apesar do mar de dor em que possam estar mergulhados. E a razão é que encontraram, em Cristo, um sentido para o seu sofrimento. Afinal, o maior sofrimento provém-nos não das dores, mas da falta de um sentido válido para as enfrentar.
De facto, já Isaías o predissera: “Se ele oferecer a sua vida em sacrifício expiatório, terá uma posteridade duradoura, prolongará os seus dias e a vontade do Senhor será por ele realizada”. Foi isto que levou Paulo a exclamar: “quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gal.6, 14). E nós?