29º Domingo do Tempo Comum
Sem sombra de dúvida que ficaríamos admirados – se não mesmo escandalizados! – se, hoje, algum dos altos responsáveis da Igreja ousasse apelidar de ‘cristos’ (isto é, ungidos) os nossos políticos e governantes! Mas foi exatamente o que fez o Profeta Isaías ao atribuir a Ciro, imperador persa – embora amigo e benfeitor dos judeus por ter posto fim ao seu exílio e apoiado a reconstrução do Templo em Jerusalém – o título de ‘cristo’, chamado por Deus “para subjugar as nações e fazer cair as armas das cinturas dos reis”.
Estranha leitura esta dos acontecimentos e da história, que os analistas políticos da nossa praça não se atrevem a fazer! Mas a nós, cristãos, compete-nos fazê-la, pois esta leitura religiosa dos acontecimentos e da história é indispensável para quem está convencido de que “Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam”.
É ela que, possibilitando-nos ver mais longe e com mais profundidade, nos permite manter a serenidade e a lucidez em todas as situações e circunstâncias, e nos leva a enfrentá-las intensificando “a atividade da nossa fé”, redobrando “o esforço da nossa caridade” e consolidando “a firmeza da nossa esperança em Nosso Senhor Jesus Cristo”, como nos recomenda S. Paulo através dos cristãos da comunidade de Tessalónica.
A situação em que hoje o nosso País e toda a Humanidade estão mergulhados, agravada pela atual pandemia, é demasiado grave para que continuemos a adiar esta leitura religiosa e não nos envolvamos em iniciativas e compromissos, que solidariamente nos ajudem a ultrapassá-la.
Quem pensa que a sentença de Cristo – “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” – pode servir de justificação para nada fazermos, está a trair o pensamento de Cristo, pois ela apenas reconhece a existência das duas realidades – que são distintas, mas não estranhas e, muito menos, opostas – e que, neste mundo, não podem existir uma sem a outra. As tentativas, que ao longo da história foram acontecendo, de reduzi-las a uma só, pela anulação ou subjugação da outra, nunca deram bom resultado.
Esta visão cristã da História também não usurpa os homens da sua liberdade e, consequentemente, da responsabilidade pelos seus atos, nem os transforma em marionetas, habilmente manobradas pela mão invisível de Deus, mas reconhece que Deus é o senhor da História, através da ação e intervenção dos ‘ciros’ de todos os tempos, sejam eles grandes ou pequenos, bons ou maus.
É só a partir desta leitura religiosa da História que os tempos de crise se podem transformar para nós, cristãos, em apelo e desafio, isto é, em tempos de graça, de salvação e de MISSÃO. É o que nos recorda o Papa Francisco, na sua mensagem para este Dia Mundial das Missões: “a compreensão daquilo que Deus nos está a dizer nestes tempos de pandemia torna-se um desafio também para a missão da Igreja. Desafia-nos a doença, a tribulação, o medo, o isolamento. Interpela-nos a pobreza de quem morre sozinho, de quem está abandonado a si mesmo, de quem perde o emprego e o salário, de quem não tem abrigo e comida. Obrigados à distância física e a permanecer em casa, somos convidados a redescobrir que precisamos das relações sociais e também da relação comunitária com Deus. Longe de aumentar a desconfiança e a indiferença, esta condição deveria tornar-nos mais atentos à nossa maneira de nos relacionarmos com os outros. E a oração, na qual Deus toca e move o nosso coração, abre-nos às carências de amor, dignidade e liberdade dos nossos irmãos, bem como ao cuidado por toda a criação. A impossibilidade de nos reunirmos como Igreja para celebrar a Eucaristia fez-nos partilhar a condição de muitas comunidades cristãs que não podem celebrar a Missa todos os domingos. Neste contexto, é-nos dirigida novamente a pergunta de Deus – «quem enviarei?» – e aguarda, de nós, uma resposta generosa e convicta: «Eis-me aqui, envia-me!». Deus continua a procurar pessoas para enviar ao mundo e às nações, a fim de testemunhar o seu amor, a sua salvação do pecado e da morte, a sua libertação do mal”.