«Esta é a via da mobilidade descendente, a via descendente de Jesus. É a via que leva aos pobres, aos que sofrem, aos marginalizados, […] O que é que eles têm a oferecer em troca? Nem sucesso, nem popularidade, nem poder, mas a alegria e a paz dos filhos de Deus»
Henri Nouwen
Não o sou por vontade minha… Não! A minha vida, cada vez mais, não é fruto da minha vontade, mas vai avançando ao ritmo das experiências que me vão atraindo. A atração exerce em mim uma força incomensurável, tal como me fui tornando cristã por atração, «Quando for erguido da terra, atrairei todos a mim» (João 12,32), fui-me sentindo espiritana por puro fascínio de uma proposta nova de ler a realidade.
Acredito cada vez mais, porque o experimento mais profundamente a cada dia que passa, em cada pessoa que encontro e em cada impacto novo que absolvo, que a vida não se tece por imposições, mas por seduções. E a paixão, a atração, a sedução nascem de um queixo caído perante a descoberta do Belo que existe para além de toda a beleza, «Confio-me inteiramente a Vós, porque sei que tomais sempre o partido daqueles que esperam em Vós, e que nada têm a temer quando fazem o que podem e Vós os amparais.».
Esta sedução, este fascínio, vem-me da descoberta progressiva de um rosto novo de Deus que, sendo antigo, me estava velado e me foi re-velado na vida bela de Jesus que fui encontrando na estrada que, ao longo destes trinta anos, vivo no seio de uma família bastante diversificada mas que comunga de uma mesma esperança, a erupção no meio de nós de um Reino Novo, de uma forma nova de ser gente, no qual todos têm lugar, em especial os últimos, os mais pobres, os que não têm vez, nem voz… e, isso fascina-me!
Nesta família encontrei uma pobreza e um tesouro e, deste paradoxo, de um deixar-me despojar de tanta quinquilharia, inclusive religiosa, para me deixar preencher desta “beleza tão antiga e tão nova”, foi-se fazendo caminho, foi-se construindo a minha estória… podia ser outra? Podia, mas não era a mesma coisa… pois, quer o gostemos de admitir, quer não, a vida humana não avança por decretos e decisões, mas por sedução perante tesouros e pérolas, pois «onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração (Mateus 6, 21).
Perante a fascinante descoberta do Amor só um desejo começou a fazer parte do meu horizonte, querer «[…] a qualquer preço, tornar-me digno do vosso amor. Este é, agora, o limite dos meus desejos. O meu coração, até aqui, cheio de vaidade e de ambição nada encontrava no mundo suficientemente elevado e grande para o encher.» O Deus dos poderosos, o Rei dos reis, o Altíssimo, passou a não me interessar. Quero o Deus que me seduz com a sua beleza, um Deus belo, que vem ao meu encontro no choro de um menino. Que se encontra na casa dos pobres e que, com os pobres, é imensamente feliz.
Nesta grande família, e nas várias etapas do caminho, fui conhecendo gente diversa, mas tão cheia de significado, gente que, ao seu jeito, às vezes até meio “torto”, foi partilhando comigo um Deus que me concede o direito de ser débil, empobrecida, por vezes apenas uma mecha fumegante, mas sempre pronto a pegar neste meu lume brando, presságio de fogo possível, trabalhá-lo e protegê-lo, até dele fazer irromper de novo a chama.
Porque sou espiritana? Porque acredito que ainda é possível uma igreja ao jeito de Jesus, pobre e para os pobres, modesta e presença da sensibilidade de Deus entre nós.