O tráfico de seres humanos é uma das maiores vergonhas da atualidade. Segundo um relatório recente do Gabinete das Nações Unidas para a Droga e o Crime (UNODC), em 2016, pelo menos 2,5 milhões de pessoas terão migrado clandestinamente. O termo usado em inglês é “smuggle”, ou seja, terão sido contrabandeadas. Mas o tráfico humano assume formas muito diversas que não apenas a da migração ilegal, umas mais subtis que outras: trabalho forçado, exploração do “trabalho” sexual e do trabalho infantil são outras formas de tráfico muito comuns e pouco reportadas. Estas duas últimas formas de exploração têm origem frequentemente ao longo das rotas de migração, pela separação das famílias e pelo aproveitamento do estado de vulnerabilidade, não só financeira, das vítimas. O tráfico humano nem sempre implica a deslocação para outros países.
Falar de tráfico humano é, portanto, algo muito complexo mas que se pode associar a formas atuais, mais ou menos dissimuladas, de escravatura. Como cristãos não podemos ficar indiferentes. Com outros moldes é certo, sabemos pelo Antigo Testamento como sofreu o povo de Deus com este flagelo ao longo da História – a escravatura no Egipto e o exílio na Babilónia – e como ao tempo de Moisés já o livro de Deuteronómio (a segunda lei) prescrevia o respeito para com o “direito do estrangeiro” (Dt 24, 17).
Este é um tema que muito tem preocupado o Papa Francisco. Foi já sobre o seu papado que se instaurou o Dia Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico Humano, cuja primeira edição, ou celebração, ocorreu a 8 de fevereiro de 2015, memória de Santa Josefina Bakhita (1869-1947). Santa Josefina Bakhita nasceu na região de Darfur, no Sudão, conheceu o rapto e a escravidão, até que foi comprada por um cônsul italiano (Calixto Legnani), que lhe restituiu a dignidade humana e, de certo modo casuisticamente, também a liberdade da fé pois, já em Itália, recebeu o baptismo em adulta e tornou-se religiosa no Instituto de Santa Madalena de Canossa.
Há muitos anos pude dar aulas numa escola construída pelo JSF e gerida pelos Espiritanos na Guiné-Bissau. Já se passou muito tempo mas recordo-me de um aluno que a meio do ano deixou de repente de ir às aulas. Soubemos mais tarde que tinha vindo para a Europa. A vontade dos jovens em sair de África é grande mas o risco de se cair em redes de tráfico humano a troco de uma passagem ou de uma promessa de trabalho também o é. Mas como censurar quem procura vir? As perspetivas lá são realmente poucas. Pelo outro lado, a internet, a televisão, os familiares e amigos que já estão na “tera brancu”, falam-lhes que ainda há na Europa um mundo de possibilidades, onde, com maior ou menor riqueza, também os Estados e as organizações da sociedade civil conseguem sempre providenciar alguma ajuda. O tema é complexo. O que não é complexo é que como cristãos temos o dever de ajudar, quer se queira vir quer se queira ficar. Os Espiritanos têm, graças a Deus, duas faces muito visíveis deste serviço. Não me esquecendo de todos os leigos e consagrados que os apoiam e/ou conduzem as suas próprias iniciativas e trabalho evangélico mencionaria, nesta lógica da migração e do desenvolvimento humano, o CEPAC e a SOLSEF. Tanto é importante o trabalho do CEPAC cá, na ajuda aos imigrantes, como o trabalho da SOLSEF lá, implementando projetos na área da saúde e da educação, que têm por objetivo capacitar e criar condições para uma verdadeira justiça e paz. A SOLSEF tem vários desses projetos em andamento e outros no coração – e na cabeça, pois é também muito do engenho da mente que se assegura o seu sucesso. Saibamos nós todos apoiá-los.