Por distração, ou concentração, nem me lembrei que a coluna “Espiritualidades” desta vez era comigo e só a poucas horas de pegar o avião para Cametá, perto de Belém do Pará, para a ordenação episcopal do espiritano P. Altevir é que li o alerta do chefe de redação. Tive um sobressalto, e logo depois uma luz inspiradora para a escolha do tema: Mateus 23, onde Jesus diz para não querermos passar por doutores. Porquê? Porque, está lá também como palavra d’Ele e é o lema da Campanha da Fraternidade de 2018 no Brasil, somos todos irmãos.
Quando aqui cheguei, oito anos logo feitos, comecei um processo de despojamento cultural, ainda longe de concluir-se, para ver se ao menos serei capaz de valorizar tanto o aprender quanto o ensinar: reler a outra luz a história deste continente e da Igreja que aqui se enraizou e vai crescendo e encontrar-me com Deus, sem máscaras, na singeleza do trato com os irmãos, como missionário que não pode deixar de ser discípulo, operário sempre em construção de si mesmo. Vinha habituado a que me chamassem de sr. Padre, reverendo ou reverendíssimo, etc., a empertigar-me para parecer grande, tributário que fui, e ainda sou, de uma cultura onde se faz vénia ao nomear o fulano de tal e o tal de cicrano com títulos como sr. engenheiro, sr. doutor, sr. arquiteto e não sei que mais e onde até o universitário, mal estreado nas lides académicas já se pavoneia de capa e cartola pelas praças da cidade. Aqui sou padre, sem mais. Sinto o amor com que os paroquianos se me dirigem chamando-me assim e suas palavras parecem-me abraços quando falam entre si dos “nossos padres”, eu e o meu confrade P. Carmelo. E saboreio o quanto é bom sermos irmãos, antes e acima de tudo o mais, pastores irmanados com as ovelhas, porque, parafraseando santo Agostinho, se somos padres para o povo é por sermos cristãos com o povo.
gasOs nossos fundadores e a formação espiritana para a missão realçam a simplicidade de vida e a proximidade com o povo. O P. Carmelo chamou-me a atenção para o facto de que todos os bispos espiritanos no Brasil, cinco residentes e mais alguns eméritos, estão todos na Amazónia. Faz sentido, bate certo com o nosso carisma fundacional. O novo bispo Altevir, ele próprio amazonense, aqui nascido e criado, unindo sabedoria académica e pé no chão, está na lista e será certamente um bom pastor. Ele irá tomar posse da sua diocese, Cametá, na mesma liturgia em que é ordenado bispo. Dois em um, uma escolha sua para aligeirar a logística e poupar em viagens. Bom começo! Prenúncio de bom pastoreio. Deus o abençoe!