Jesus não pactuou com a opressão, os escândalos e a hipocrisia. Pagou caro por isso. Mas foi assim que cumpriu o desígnio de seu Pai em nosso favor. Penso n’Ele, no seu exemplo, a propósito da oposição de elementos da Igreja à orientação pastoral do Papa Francisco e dos cartazes anónimos contra ele, difundidos a partir de Roma. Os seus autores, enraivecidos pela oposição do Papa a ministros da Igreja pedófilos, a bispos de hábitos principescos e a instituições eclesiais poderosas e pouco ou nada transparentes, lançaram a insinuação maldosa de que o Papa não pratica a misericórdia que prega.
Lendo a Bíblia, damo-nos conta de que nela se fala, quase em cada página, de misericórdia. Mas também de castigo e ira divina. A ira não é coisa boa, implica perda de autodomínio, e isso não é de Deus. A expressão “ira de Deus”, quando aparece na Bíblia há de ser entendida como um antropomorfismo, ou seja, um modo de Deus falar do nosso jeito, usando a nossa linguagem, a única que entendemos, mas imprecisa e limitada. O nosso povo, no seu entendimento do que é a ira divina, diz que “Deus castiga sem pau nem pedra”. Com mais exatidão, a própria Bíblia ensina que “Deus corrige os que ama e castiga aquele que reconhece como filho” (Heb 12,6).
A esta luz a “ira de Deus” entende-se melhor se for chamada indignação de Deus. A indignação é a atitude de quem não fica indiferente às forças do mal, da injustiça, impiedade, opressão. É a postura de Jesus correndo com os vendilhões do templo. Não consigo imaginá-Lo, perfeito como Deus e homem, de cabeça perdida. Brandiu no ar um, a bem dizer inofensivo, azorrague de cordas, soltou rolas e pombas engaioladas, derrubou as mesas dos cambistas que, a serviço da classe sacerdotal, trocavam moedas romanas, consideradas impuras por terem a imagem do imperador, por moedas do templo, estas sim tornadas impuras pelas taxas de câmbio usurárias ali cobradas.
Ergueu a voz em protesto contra a profanação do templo. Dupla profanação: a do culto divino, por nele se misturar oração com roubalheira; e a das pessoas, neste caso os estrangeiros, tidos na Bíblia, a par dos órfãos e viúvas, como os preferidos de Deus, porque esse negócio se fazia no “Átrio dos Gentios”, reservado aos pagãos ‘tementes a Deus’ que, assim, quando acorriam nas grandes festas, ficavam sem condições de orar, o que ia contra o desígnio de Deus de que o templo fosse “casa de oração para todos os povos”.
No Papa Francisco, como em Cristo, indignação é o reverso da medalha chamada misericórdia.
P. José Gaspar