As «obras de misericórdia espirituais» devem ter surgido a partir da interpretação alegórica do capítulo 25 de Mateus por parte de Orígenes: as obras aí indicadas têm um valor «material», mas também «espiritual».
Entre outros escritos, esta dupla dimensão material e espiritual das obras de misericórdia é expressa por Santo Agostinho através do binómio «dar e perdoar: dar dos bens que possuis e perdoar os males que sofres».
Uma lista definitiva das obras de misericórdia não é confirmada até ao fim do primeiro milénio: provavelmente, só no século doze assistimos à fixação de uma lista bem definida de sete obras de misericórdia, as chamadas corporais (seis do capítulo 25 de Mateus, mais a sepultura dos mortos referida no livro de Tobias (Tobias 1, 16-18) à qual se somará — com certeza pelo menos a partir de Tomás de Aquino — a lista das sete obras de misericórdia espirituais. Com o septenário (número 7), a multiplicidade das obras de misericórdia fica de certo modo sintetizada e dotada de unidade.
1ª – Dar bons conselhos
É o dom de orientar e ajudar a quem precisa.
Jesus nos orientou e aconselhou a não sermos cegos a guiar cegos (Mt 15, 14), e também a primeiro tirarmos a trave do nosso olho, para depois tirar o cisco do olho do irmão (Lc 6, 39). Apesar da força deste conselho e alerta de Jesus, não podemos deixar de dar bons conselhos àqueles que necessitam.
Dar bons conselhos e não qualquer conselho. Para que isto aconteça é preciso mergulhar na graça do Espírito Santo, para perceber os sinais de Deus que nos auxiliam na compreensão dos fatos e discernimento da vida, pois há bons e maus conselhos.
Perigosos são os conselhos quando dados sem uma vida de oração. Destrutivos são os conselhos recebidos na bisbilhotice.
O salmista convida-nos a rezar: “Bendito o Senhor por me ter aconselhado, até de noite me inspira interiormente” (Sl 16, 7).
Por conselhos desprovidos da luz de Deus muitas amizades foram desfeitas, casamentos destruídos e guerras iniciadas.
Aconselhar é ajudar a lançar luz no caminho de quem hoje pisa nas sombras.
2ª – Ensinar os que não sabem
Instruir não é simplesmente transmitir conhecimentos. É também corrigir os que erram, doutrinar, ensinar os valores do Evangelho, formar na doutrina e nos bons costumes éticos e morais.
A história da salvação é sem dúvida uma instrução contínua e interrupta da parte de Deus para com a humanidade.
Deus revela-se e instrui o povo pelos patriarcas, profetas e plenamente em Jesus Cristo.
Cada pessoa tem a sua hora de encontrar a “verdade”. É a partir disto que nasce a missão de instruir da Igreja, dos pais, dos catequistas e de todos nós.
Evangelizar é também instruir para a verdade, a luz que vem de Jesus Cristo.
Lembremos que toda instrução que brota da caridade, oração e paciência gera frutos em abundancia.
3ª – Corrigir os que erram
“O facto de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna.
De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos.
Na Igreja, a correção fraterna deve ser um ato que une misericórdia e verdade, compaixão e franqueza, amor ao irmão e obediência ao evangelho, autoridade e doçura. Cada um deve assumir-se como “guarda do seu irmão” (Gen 4, 9), que é membro de um Corpo a que eu e ele pertencemos igualmente. Só quando se entra em empatia com o irmão e se reconhece que o pecado não é dele nem um problema só dele, mas é também meu, é que se pode corrigir, com amor.
4ª – Consolar os aflitos
Nosso Senhor Jesus Cristo deu-nos muitos exemplos de consolação, lembremos principalmente, o Seu empenho em consolar Marta e Maria na morte de Lázaro (Jo 11, 19).
Paulo, fiel apóstolo de Jesus, começa a sua segunda carta aos Coríntios dizendo: “Bendito seja Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias, Deus de toda a consolação, que nos conforta em todas as nossas tribulações, para que, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus, possamos consolar os que estão em qualquer angústia!” (2Cor 1, 3-4).
Todos nós passamos na vida momentos de aflições e sofrimentos, algumas vezes em consequência de nossos próprios erros, noutras por perdas, enfermidades, problemas pessoais ou familiares. Nesses momentos precisamos de consolação. Da parte de Deus ela vem com certeza, pois consolar é atributo de Deus.
Exercitar os olhos para as tragédias alheias; aguçar os ouvidos para escutar os soluços dos que sofrem; oferecer o ombro para deixar reclinar quem chora; estender a mão para levantar quem tropeça e cai.
Hoje consolamos, amanhã seremos consolados.
5ª – Perdoar as injúrias
O perdão é uma exigência do Evangelho, e uma condição para entrar no Reino. Jesus dá-nos essa lição ao ensinar a oração do Pai Nosso: “Se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas se não perdoardes aos homens, tão pouco vosso Pai vos perdoará.” (Mt 6, 14-15)
Se nós não perdoamos, impedimos que o perdão de Deus chegue a nós.
Pedir perdão a Deus é fácil, mas conceder o perdão aos outros na maioria das vezes é difícil.
Perdoar de coração dever-nos-ia levar a esquecer toda injustiça sofrida, mas nem sempre conseguimos, e nem sempre voltamos a um relacionamento normal com a pessoa perdoada, isso não nos deve impedir de, à luz do Espírito Santo, exercitar e aprimorar o perdão, pois nem sempre e na maioria das vezes um acto de vontade pode eliminar uma lembrança.
6ª – Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo
Para viver o Evangelho de Jesus é preciso ser paciente. Esta obra espiritual exorta-nos a suportar com paciência os que nos estão próximos, com todos as suas limitações, fraquezas, defeitos, adversidades e misérias.
Isto não quer dizer que nos devemos omitir de orientar, encorajar, oferecer oportunidades e servir de suporte, para que, essas limitações e fraquezas sejam superadas.
Neste sentido São Paulo escreve: “Pedimo-vos, porém, irmãos, corrigi os desordeiros, encorajai os tímidos, amparai os fracos e tende paciência para com todos” (1Tes 5, 14).
Sejamos acolhedores e pacientes com todos.
7ª – Rogar a Deus pelos vivos e defuntos
Na oração sacerdotal Jesus rogou a Deus por todos nós (Jo 17). Em várias outras passagens dos Evangelhos Jesus retirava-se para rezar, entre elas cito: Mt14, 23; Mt 26,36; Mc 6,46; Lc 3,21; Lc 5,16.
Podemos até identificar uma pessoa pela oração que ela faz. A oração egoísta, indica um espírito egoísta. Orações que mais parecem lista de compras ou de presentes: Senhor, quero isto e aquilo…
O ser humano, é sempre mais preocupado com as suas próprias necessidades, mas através desta obra de misericórdia espiritual, somos exortados a rezar pela humanidade, rezar por aqueles que nem conhecemos; rezar pela reparação e expiação dos pecados do mundo; pela conversão dos pecadores; pelo Papa e ministros ordenados que conduzem a Igreja de Deus; pelas vocações sacerdotais e leigas; pelas autoridades; pelos que sofrem e pelos que se recomendam às orações.
Rezar pelos mortos: Este ensinamento apoia-se, também, na prática da oração pelos defuntos, da qual já a Sagrada Escritura fala: “Eis por que ele [Judas Macabeu] mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos de seu pecado” (2Mc 12,46).
Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em seu favor, em especial o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de penitência em favor dos defuntos (CIC 1032).
Pistas de reflexão
- Como é que eu posso viver, mais em pleno, as obras de misericórdia espirituais?
- Na família, na paróquia e no grupo, o que poderemos fazer de concreto para dar resposta ao exercício das obras de misericórdia espirituais?
Compromisso
Nas obras de misericórdia espirituais é claro e notório o empenho no cuidado do nosso espírito, do nosso coração, do nosso interior. Em todas as áreas da nossa vida, precisamos de as concretizar. Fazê-lo é apostar claramente na qualidade do nosso interior e das nossas relações uns com os outros.
P. Nuno Miguel Rodrigues