Quem não é feliz não pode ser misericordioso e vice-versa.
No sermão da montanha, Jesus declara bem-aventurados os misericordiosos e promete que receberão a misericórdia como recompensa. Nesta receita dupla de felicidade e de misericórdia, Jesus coloca ao dispor de cada ser humano a chave de felicidade e misericórdia divina. Tendo a chave na mão, só não entra quem não quiser.
Palavra de Deus
Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Mt 5,7
Misericórdia como um dom multiplicado
Um homem chamado George Wilson no ano 1830 nos Estados Unidos de América matou o seu colega dos correios, um funcionário do estado, que o apanhou em flagrante a mexer nas cartas e roubar o que nelas tinha de valor. Ele foi julgado e condenado à morte por estrangulação. Mas o então presidente dos Estados Unidos, Andrew Jackson, concedeu-lhe um perdão executivo. George Wilson, no entanto, se recusou a aceitar o perdão. O Departamento de Correções não sabia o que fazer. O caso foi levado ao Tribunal Supremo onde o juiz declarou que “o perdão é uma folha em branco, cujo valor é determinado pela aceitação da pessoa perdoada. Se for recusado, não é perdão. George Wilson deve ser estrangulado.” E ele foi estrangulado. Mesmo oponde-nos à pena de morte, não podemos deixar de concordar com o princípio de que o perdão concedido tem de ser aceite para se tornar eficaz.
Tanto a felicidade como a misericórdia são atributos divinos. O nosso irmão nesta história não acreditava em Deus e por isso, não pensava na possibilidade de vir a ser perdoado pelo seu crime e, na falta completa da felicidade e da misericórdia, arrumou o seu futuro acusador e recusou o perdão como prova máxima de uma vida sem Deus.
Sem dúvida, a ação de George Wilson é reprovável, mas mais reprovável ainda foi a recusa de acolher o perdão, a misericórdia e dom da vida. Ele agiu como um homem moderno que pensa-se a si próprio, como alguém que se basta a si mesmo, na explicação de si mesmo; e pensa o seu existir e o seu agir social na base daquilo que justifica a sua liberdade até matar e ser morto.
No seguimento desta história, a felicidade e a misericórdia são dons, que apenas podem ser partilhados por quem as tem. Quando a praticamos, ficamos duplamente felizes por ser a causa da felicidade do outro.
Misericórdia é um dom “da reciprocidade” entre Deus e a humanidade, em que quem recebe o dom que Deus dá, desempenha sempre um papel. O mesmo é o caso entre os homens implicando a receção “ativa” e não meramente “passiva”. Um dom divino é um dom só depois da sua receção.
A Misericórdia do mundo
O mundo moderno que se diz civilizado e desenvolvido parece viver com o princípio de “salve-se quem puder…”, onde o dinheiro, a ânsia de mandar e a preservação de si, tornaram-se os grandes valores que governam o mundo e que regem as relações entre as pessoas, entre os povos e entre as nações. Amamos apenas para que nos amem. Não há problemas em quebrar os compromissos assumidos, em dar o dito por não dito, em faltar à palavra dada. Tudo gira à nossa volta, em função de nós.
A misericórdia do mundo no seu melhor acaba nas tentativas na procura da justiça. A justiça, como vemos na bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia, é infinitamente superada pela misericórdia. Quando praticamos a misericórdia de “toma lá, dá cá”, limitamo-nos a ser simplesmente amigos que trocam favores. Ser misericordioso no sentido do mundo é ser amigo dos nossos amigos (Lc 6,33).
Pistas de reflexão
- Como reconciliar o que pedimos aos outros e o que lhes damos?
- Como aplicar a regra do ouro no trato do próximo?
- O que fazer para sermos verdadeiros filhos de Deus (não se pode ser filho de um Pai misericordioso, sem ser misericordioso)?
Compromisso
Viver uma vida justa, porque a misericórdia não é contrário à justiça, embora a supere desmedidamente (MV, nº21).
Eliminar todas as formas de fechamento e desprezo, e expulsar todas as formas de violência e discriminação. Levar a misericórdia para fora da Igreja (MV, nº23).
Viver uma vida humilde.
Pedir perdão sempre que ofendermos.
Aceitar o perdão.
P. Simon Ayogu