Costuma-se dizer: “ninguém é tão rico que não tenha nada a receber e ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar”. A nossa vida é uma constante troca, de bens, de serviços, de amizade, de gentileza. E é neste dar e receber que se constroem as nossas relações com os outros, que a nossa vida ganha todo o sabor.
Palavra de Deus
A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum… Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse.
Act 2, 32-35
Entre eles não havia ninguém necessitado… tudo o que tinham era repartido por todos e todos tinham o suficiente para viver.
É o contrário do que frequentemente vemos; uma sociedade desigual, como a nossa e aquela que nos é apresentada na parábola do rico avarento e do pobre Lázaro. De um lado, temos o luxo de alguns. Do outro, o pobre sem as condições indispensáveis de vida, sem direitos, sem dignidade. O que separa os dois é a porta fechada da casa do rico. Isto é, a nossa indiferença perante o sofrimento alheio.
A coexistência da riqueza e pobreza é, em si mesma, rutura fundamental da solidariedade humana, atentado contra uma sociedade harmónica; é uma grave violação da convivência humana, é como se disséssemos que a vida do outro não me interessa . Vivemos, muitas vezes, num mundo indiferente.
“O luxo de uns converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas” (Puebla 28). O “rico e o Lázaro” constituem um enorme escândalo para o nosso mundo. É uma ofensa que se faz aos pobres pelo simples facto de serem indigentes ao lado dos opulentos.
O pobre Lázaro, sentado à porta é o símbolo do grito abafado dos pobres do tempo de Jesus e de todos os tempos.
Pelo contrário, a compaixão é o sentimento mais evidente da maturidade humana; e para vivê-la, precisamos de desenvolver a nossa sensibilidade diante dos outros, sobretudo daqueles que estão à nossa porta e diante dos quais permanecemos alheios.
A transformação do coração supõe e exige uma renovação do nosso sentir. O discípulo de Cristo não vira a cara à situação das pessoas, mas relaciona-se com elas, e busca nelas a presença de Deus. À medida que se realiza esta conversão da nossa sensibilidade, tornamo-nos mais humanos, capazes de estar presentes junto dos mais necessitados como Jesus de Nazaré, abrindo a porta das nossas casas para acolhê-los.
Pistas de reflexão
- Na nossa vida, já fizemos a experiência de dar algo, sem interesse de retribuição, sentindo muito mais alegria e gozo do que qualquer coisa recebida?
- Praticamos o ensino do Senhor Jesus com um coração grande ou simplesmente esperamos receber a recompensa que aguardamos com ansiedade?
Palavra de Deus
Levantando os olhos, Jesus viu os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. Viu também uma viúva pobre deitar lá duas moedinhas e disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros; pois eles deitaram no tesouro do que lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para viver.»
Lc. 21, 1-4
Jesus observa uma pobre viúva e chama a atenção dos seus discípulos para aprender dela algo que os escribas jamais lhes ensinarão: uma confiança total em Deus e uma generosidade sem limites. O seu gesto passa despercebido a todos, mas não a Jesus; no seu silêncio e no seu anonimato, a viúva põe em destaque a religião corrupta dos dirigentes religiosos; ela não busca honras nem prestígio, mas atua de maneira calada e humilde revelando um coração mais solidário: dá o que tem porque outros podem necessitar mais do que ela; não dá do que sobra ou do supérfluo, mas “tudo o que tem para viver”.
Segundo Jesus, estas pessoas simples, mas de coração grande e generoso, que sabem amar sem reservas, são do melhor que pode existir no grupo dos seus discípulos; são elas que fazem o mundo diferente, mais humano e fraterno, aquelas que mantém vivo o Espírito de Jesus diante de outras atitudes religiosas falsas e interesseiras. É com essas pessoas que devemos aprender a seguir Jesus.
Ser generoso é ser livre de si mesmo, dos seus medos, dos pequenos apegos e é esta a única grandeza verdadeira. É a generosidade que alarga o nosso coração, rompe os seus estreitos limites e lança-nos para outros compromissos mais profundos. Sentimo-nos mais próximos d’Aquele que veio, não para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida por todos.
A generosidade que nasce da compaixão leva a reconhecer no outro a sua dignidade. E isto pede-nos uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-nos no seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele… Importa, pois, redescobrir uma generosidade quotidiana que se incarna nos pequenos gestos de serviço de cada dia.
Compromisso
São muitas as promessas de Deus sobre a vida daqueles que assim procedem:
- “A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais; ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á uma pura perda” (Pv 11:24).
- “Lembrem-se disto: quem planta pouco colhe pouco; quem planta muito colhe muito” (2 Co 9:6).
Diante de tantas imagens mesquinhas de um Deus controlador e justiceiro, que impede a muitos de saborear a fé e viver a vida, Jesus mostra-nos a sua experiência de um Deus que nos convida a partilhar com Ele uma festa fraterna em que culminará o melhor dos nossos esforços e aspirações.
Muitas vezes a própria comunidade cristã está muito preocupada com a “ortodoxia doutrinal” e não se preocupa em fazer sua a Vida de Jesus. Há mais condenações doutrinais que condenações de falta de vivências. É preciso “mais evangelho e menos doutrina” (Papa Francisco).
P. Eduardo Osório