2º Domingo do Tempo Comum
Das leituras deste Domingo várias lições se podem retirar. Antes de mais, a certeza de que Deus conhece cada um de nós de forma muito pessoal: Samuel é chamado pelo seu nome, e de Pedro, Cristo não apenas diz o nome, mas a própria ascendência: “Tu és Simão, filho de João”.
No meio do crescente anonimato em que estamos mergulhados é consolador sabermos que Deus nos conhece desta forma! Também nós somos seres vocacionados: através deste conhecimento íntimo Deus chama-nos: “Fui eu que te formei, te chamei e fiz de ti a luz das nações” (Is. 42). Como Samuel e os Apóstolos, compete-nos responder prontamente: “aqui estou, porque me chamaste” e estarmos disponíveis para O seguir.
Mas, a escuta implica, não só, abertura de espírito e de coração, mas também disponibilidade da vontade para dar atençãos aos outros. Com o “não quero”, “não gosto”, “não me apetece” – tão em voga nos nossos dias desde as idades mais tenras – mais difícil se torna conseguir escutar alguém, nem que seja Deus! Ainda por cima, a atitude de escuta só se consegue com esforço, treino e perseverança, artigos que já estão fora de consumo!
Não menos importante é o ensinamento de S. Paulo sobre o nosso corpo. Se é verdade que vivemos numa cultura em que, através de tantos cuidados (alimentares, higiénicos, desportivos, cosméticos e medicamentais) se endeusa o corpo, não se segue que isso traduza uma verdadeira valorização do corpo.
O mesmo se diga em relação a toda a espécie de violência (física, sexual, etc.). Não aceitamos – e bem – que os outros exerçam violência sobre o nosso corpo, mas queremos dispor dele como algo que nos pertence exclusivamente, e do qual podemos dispor para todos os excessos, para o prazer sexual ou, até, para acabar com ele (eutanásia)
A antropologia bíblica não vê o ser humano como um composto (temporário) de matéria e espírito (corpo e alma), mas como uma realidade única e indissociável, com dimensões espirituais e materiais – “corpo, alma e espírito” diz S. Paulo na 1Tessalonicences (5,23) – um pouco à semelhança da água, que, sendo o resultado de dois gazes (hidrogénio e oxigénio), até deles se diferencia pela sua natureza de… líquido.
De facto, o ser humano, mais do que ter um corpo, é um “corpo personalizado, que tem a capacidade de pensar, de sentir, de querer e de se situar a si mesmo frente ao mundo… isto é, de dizer ‘eu’”. É por esta corporeidade que “me relaciono, me comunico, ultrapassando os limites e as limitações da minha individualidade”. Na verdade, “sem os outros, nem sequer chego a ser eu”.
Por isso, o corpo humano (e não apenas a alma) é “templo do Espírito Santo” e também nele somos chamados a glorificar a Deus. Com efeito, não foi só pelas nossas almas que Cristo pagou preço tão elevado! Por isso, após a ressurreição, será na integralidade do nosso ser humano – alma e corpo – que viveremos a eternidade, de forma feliz ou infeliz.
Que Maria, aquela que “guardava todas as coisas no seu coração” para as meditar e aprofundar, nos ajude a sermos cada vez mais totalmente senhores das nossas inclinações, sentimentos e afetos, para, com todo o nosso ser, respondermos como Samuel: “falai, Senhor, que o vosso servo / a vossa serva escuta”!