Um caminho Partilhado
VOLUNTARIADO MISSIONÁRIO ESPIRITANO
Em Janeiro deste ano, duas voluntárias partiram para a missão espiritana de Itoculo, em Moçambique, para um ano de voluntariado missionário. A Cristina Fontes, de Fiães – Santa Maria da Feira, já tinha feito um ano naquela missão e pediu para continuar por mais um. Regressou acompanhada agora pela Gabriela Rodrigues, de Fraião – Braga. A um mês de terminar este desafio, partilham connosco a sua experiência.
Do outro lado do continente Africano, em Cabo Verde, aterrou o casal Juliana Castro e André Alves, de Foz do Sousa – Gondomar. Depois de um ano de preparação e discernimento, partiram para a ilha de Santiago para um ano de voluntariado nas paróquias de São Lourenço dos Órgãos e São Tiago Maior em Pedra Badejo. Um mês depois de chegar, partilham as primeiras impressões.
Cristina Fontes, Voluntária na missão de Itoculo, em Moçambique
Missão de Itoculo, um caminho de amor…
CRISTINA FONTES
“Aqui ou aí, para onde quer que Deus me leve, peço-Lhe para me continuar a dar a graça de viver ao ritmo da missão…” Estas foram as palavras que encerraram o meu ano de 2018 e, em 2019, fui abençoada com o regresso a Itoculo, em Moçambique, para mais um ano de missão, e, desta vez, com a Gabi, na altura, companheira de viagem e, agora, amiga e companheira de missão.
Aproxima-se o final de mais um ano e são tantos os olhares, os sorrisos e os momentos que têm marcado o ritmo da minha missão, da minha vida. Guardo cada um deles como um tesouro, mas recordo, com um sorriso especial no olhar e no coração, a viagem de regresso a Itoculo: 25 de Janeiro, um calor imenso, a estrada de terra batida, o verde do capim, o “tá tá vô” das crianças, o olhar curioso e maravilhado da Gabi a entrar, pela primeira vez, na missão. Recordo tudo isto, mas recordo sobretudo o silêncio que se fez em mim, um silêncio de Deus que calou todos os meus medos e incertezas e me fez confiar que estava a caminho da missão a que Ele me chamava e enviava.
Caminhar, mais um ano, ao ritmo da missão de Itoculo tem sido uma graça que marcará sempre o ritmo do meu coração. Tem sido um caminho marcado pelo som dos batuques, as cores das capulanas, a sombra dos cajueiros, o “tá tá vô” das crianças, o “hiali” das mamãs e dos papás, o “sim” de cada dia da equipa missionária. Acima de tudo, tem sido um caminho partilhado, um caminho de pessoas, que levarei comigo para a vida toda. Poderei esquecer os seus nomes, mas levarei sempre comigo os seus rostos e as suas histórias, histórias que agora fazem parte da minha história, porque caminhamos juntos, porque rimos e choramos juntos, porque celebramos e rezamos juntos, porque vivemos como Irmãos.
Foi, assim, um caminho partilhado
…um caminho partilhado com jovens que deixam as suas casas para poderem continuar a estudar e encontram nos nossos lares de estudantes a família que os acompanha no dia-a-dia. Aqui, a escolarização não é para todos e aqueles que têm acesso à escola enfrentam a precariedade das salas de aula que, muitas vezes, acolhem mais de 100 alunos, a inexistência de recursos escolares e a fraca preparação e falta de compromisso dos professores. Nos lares de estudantes da missão, procuramos colmatar as muitas falhas da escola local, fazendo um acompanhamento escolar e procurando desenvolver a cidadania, autonomia e sentido crítico dos jovens, de forma a orientar e a dar resposta aos sonhos que estes têm para o seu futuro, num país onde as oportunidades de uma vida e um emprego melhor são ainda muito reduzidas.
…um caminho partilhado com as crianças das nossas comunidades cristãs, onde o acesso à água e aos bens mais básicos é muito dificultado e o acesso à saúde e à educação muitas vezes não existe. São muitos os quilómetros que caminham para aprender a ler, a escrever e a fazer contas, e, mesmo sem livro, caderno ou lápis, vão à escola com passo apressado e um “tá tá vô” sempre pronto para cumprimentar aqueles por quem passam. São muitas as vezes em que o professor falta, mas é com o mesmo sorriso que regressam a casa para, no dia seguinte, tentarem mais uma vez aprender a juntar letras e a somar números.
…um caminho partilhado com jovens da 1.ª etapa da catequese que, apesar dos seus quinze, dezassete ou até vinte anos, não conhecem Jesus e estão a iniciar a sua caminhada cristã, porque acreditam que Deus existe e têm sede de O conhecer e de O seguir.
…um caminho partilhado com a equipa missionária que todos os dias coloca os seus dons ao serviço da missão, dando o seu melhor pelas 83 comunidades da paróquia. Os desafios são muitos, mas cada dia traz uma nova oportunidade para sermos sinal do amor e da esperança de Deus e tentarmos fazer do mundo um lugar melhor. Este ano, a equipa missionária contou com a presença da Gabi e caminhar ao seu lado tem sido maravilhoso. Tem sido uma bênção partilharmos a missão juntas e descobrirmos juntas os nossos dons no encontro com o outro.
Aquela viagem de regresso a Itoculo, que recordo tão bem, não era, de facto, uma viagem qualquer. Tinha como destino a missão, o lugar que Deus planta no nosso coração, o lugar onde um amor maior acontece, o amor de Deus. Hoje, o meu caminho é este, a minha missão é estar aqui, em Itoculo. O regresso a Portugal aproxima-se, mas o caminho continua e a missão não acaba… que Deus me continue a dar a graça de fazer um caminho de amor, de ser missão, aqui ou aí, para onde quer que Ele me leve…
Gabriela Rodrigues, Voluntária na missão de Itoculo, em Moçambique
Um amor que não acaba nunca
GABRIELA RODRIGUES
Itoculo é a minha casa desde Janeiro. Desde Janeiro que vivo uma verdadeira história de simplicidade, de caminhada e de amor com o próximo. E há melhor forma de viver do que esta? Um caminho que escolhi, e escolho a cada dia, entregar-me ao outro, dar-me e deixar que os meus dons, dons que Deus me deu, sejam colocados ao serviço de quem mais precisa.
Esta caminhada em Itoculo começou desde logo na partilha. Partilha com alguém muito especial, a Cristina. Desde o início que partilhamos juntas esta aventura, esta missão. Deus realmente sabe aquilo que faz e estou muito grata por ter colocado a Cristina no meu caminho. É uma bênção partilhar todos os dias a missão com ela. Já somamos muitas aventuras juntas e acima de tudo, muitas aventuras com o povo de Itoculo. Somos felizes a fazer os outros felizes, a fazer os outros sorrirem, a darem mais, a mostrarem mais capacidades. Somos felizes a estar com o outro e a amar o outro.
No campo da Missão, o trabalho é vasto. A Equipa Missionária de Itoculo divide-se pela educação, saúde, pastoral e muito mais. A educação é de facto uma das grandes batalhas dos missionários em Moçambique. Nem todas as crianças têm o privilégio de completar a escola secundária. Nenhuma criança deveria ser privada de conhecimento. Como é que é suposto um país continuar a desenvolver-se se aqueles que são o futuro não têm as ferramentas necessárias para estudar, para conhecer, para trabalhar? Neste sentido, o trabalho dos missionários em Itoculo é fundamental. Em Itoculo trabalhamos com as crianças, com os jovens, com os Papás e Mamãs, de modo a sensibilizar para questões fundamentais para o desenvolvimento justo, transparente e verdadeiro de um país que tem tanto potencial.
A Biblioteca Paroquial é um dos projetos da missão que me foi confiado. A Biblioteca é um espaço que acolhe cerca de 160 alunos da Escola Secundária. A Biblioteca tem disponíveis 6 exemplares de cada disciplina, que muitas vezes não dá resposta à procura. Os manuais, as aulas de apoio, os cursos de informática e de inglês, bem como outras atividades, são ferramentas que colocamos ao serviço destes jovens para facilitar o acesso à educação. De facto, em Missão nós podemos ser tudo. Nunca na minha vida dei uma aula, mas aqui o “nunca fiz isso”, não existe. Se é preciso nós fazemos. Estes jovens têm o mesmo direito à educação que qualquer outro jovem no mundo por isso, coloquei as minhas capacidades ao serviço deles, para trabalhar com eles e para garantir que mesmo tendo todos os factores contra eles, o futuro são eles e a mudança para um Moçambique mais justo e verdadeiro começa neles.
O Ministério dos Jovens é outra missão que está à minha responsabilidade. Os jovens da Paróquia marcaram presença nos encontros regionais, nos cursos e nas atividades na Paróquia, depois de caminharem muitas horas. A grande maioria destes jovens têm em média, entre 18 e 20 anos e já são praticamente todos casados e com filhos e completaram apenas o ensino primário. Cabe-me a mim, a tarefa discutir com eles alguns temas pertinentes e que podem servir de motor de mudança de mentalidades. Estes jovens não têm televisão, não têm acesso à internet por isso, muitas vezes, os momentos nos encontros regionais, são os únicos em que estes levam novidades para as suas comunidades. É muito gratificante partilhar estes encontros de alegria, de conhecimentos, de paz e de esperança com os jovens.
Os Domingos são sem dúvida uma alegria, uma bênção e uma graça. Domingo é dia de celebração nas comunidades, ou seja, ir ao encontro daqueles que estão mais longe e que esperam com muita alegria, a visita da Equipa Missionária. O sorriso acolhedor das crianças é algo do outro mundo, algo que me toca e me faz querer ficar mais um pouco, tirar mais uma foto para recordar aqueles sorrisos. Não há melhores Domingos do que estes.
De facto, com a missão aprendi o verdadeiro significado da palavra estar. Às vezes não precisamos de fazer grandiosas obras, precisamos apenas de saber estar com o outro. Quando estou de verdade e me entrego de verdade, aí sei que é amor, o amor de Deus. E há coisa mais bonita do que esta? Ver a vida na sua simplicidade, nas pequenas maravilhas, nos pequenos gestos, ver a vida nos outros. Itoculo tem-me ensinado que tudo é possível, mesmo quando alguma coisa corre mal, há sempre solução para tudo. Não há stress, não há pressões para sermos melhores que os outros. O mais importante é sermos sempre a melhor versão de nós próprios!
Koxukuru!
Mana Gabi
“Nu sta junto”
JULIANA CASTRO & ANDRÉ ALVES
No passado dia 22 de Outubro partimos do Porto em direção à nossa primeira Missão em conjunto. Destino: Cabo Verde, Santiago, São Lourenço dos Órgãos – durante algum tempo estas palavras foram apenas isso, palavras. Pois, até ao momento da nossa chegada, foi difícil imaginar o que iríamos encontrar ou como nos íamos adaptar a esta nova realidade. No entanto, todos estes receios desvaneceram no momento em que aterramos. Cabo Verde e as suas gentes são como o clima que aqui se sente, quentes e acolhedores – a terra reluz, as pessoas sorriem.
Durante os primeiros dias fomos conhecendo lentamente a ilha e as comunidades. À medida que passamos nos vários lugares fomos colecionando abraços, “tudo dreto´s?” e também alguns olhares de espanto por ficarmos um ano por cá. Também nos disseram que dias antes de chegarmos houve uma praga de gafanhotos na ilha de Santiago que afetou parte das colheitas. Mas, uma semana depois de cá estarmos choveu, coisa rara para estes lados, as montanhas e os campos estão verdes, o milho e o feijão começam a crescer. Diariamente, na missa, depois do “quebra jejum”, dá-se graças e pede-se a Deus “que nos dê chuva para termos o pão de cada dia”. Pelo que nos dizem, os últimos dois anos foram de seca, mas isso não diminui a alegria deste povo.
Alegria também não falta no Jardim de Infância Marilúcia, onde trabalhamos todas as manhãs e que conta com cerca de 50 crianças dos 3 aos 6 anos de idade, dos quais já sabemos “casi casi” todos os nomes. As tardes são divididas entre o Centro de Capacitação de São Lourenço dos Órgãos e a Paróquia. No centro apoiamos o seu curso de Atendimento ao Público e na Paróquia abrimos as inscrições para o curso de Iniciação ao Inglês – temos agora 50 alunos e as aulas vão começar na próxima semana. Sábados e Domingos são dias da comunidade, participamos no grupo coral e reunimos com os três grupos de preparação para o Crisma, cerca de 200 jovens, com os quais faremos esta caminhada.
Embora ainda estejamos no início os projetos começam a ganhar forma. Foram apenas 4 semanas e, ao olhar para trás, questionamo-nos como já passou todo este tempo e o tanto que ainda queremos fazer. Uma coisa sabemos com certeza, encontramos uma família aqui que nos irá ajudar neste caminho e a cada dia sentimo-nos mais em casa.