O Papa Francisco recebeu o Conselho Geral dos Espiritanos, bem como outros espiritanos a trabalhar em Itália, em audiência privada, no contexto da comemoração da fusão das congregações fundadas por Poullart des Places e Francisco Libermann, dando origem à Congregação do Espírito Santo sob a proteção do Imaculado Coração de Maria.
Partilhamos aqui as palavras que o Papa Francisco dirigiu aos espiritanos.
Discurso do Santo Padre Francisco aos Religiosos da Congregação do Espírito Santo
Caros irmãos e irmãs, bom dia e bem-vindos!
Agradeço ao Superior Geral as palavras que me dirigiu; saúdo os membros do Conselho e todos vós.
Estou feliz por este encontro, no qual partilho convosco a alegria dos cento e setenta e cinco anos da vossa refundação, com a fusão de dois institutos religiosos.
Gostaria de tomar como ponto de partida, para uma breve reflexão, a passagem do profeta Isaías que escolhestes como guia na vossa Congregação: “Vejam, vou fazer algo de novo” (43,19). É uma expressão muito bonita, e faz parte de um texto que começa: “Não temas [Israel], porque eu te resgatei, chamei-te pelo teu nome, tu pertences-me” (Is 43,1). Quando ouço isto, vem-me à mente a mão de Deus que acaricia, acaricia o povo, acaricia cada um de vós: o Deus terno que acaricia sempre. Detenho-me nestas palavras porque me parecem refletir muito bem alguns dos valores fundamentais do vosso carisma: a coragem, a abertura e o abandono à ação do Espírito para que Ele algo de novo.
Estes valores são já evidentes na história da vossa primeira fundação: um jovem diácono, com doze companheiros de seminário, impelido pelo Espírito, embarca corajosamente numa aventura inesperada. Renuncia à perspetiva de um futuro tranquilo – poderia ter sido um bom padre de uma família abastada – por uma missão ainda por descobrir, expondo-se a sacrifícios, incompreensões e oposições, com uma saúde muito frágil que o levará a uma morte prematura, antes de poder ver plenamente coroado o seu sonho. Tantos imprevistos que, no entanto, a sua docilidade à ação do Espírito transforma em corajosos “sins”, graças aos quais Deus começa sempre algo de novo nele e, através dele, também nos outros.
De facto, o seu exemplo encontra confirmação nos irmãos que continuam a sua obra, prontos a responder aos novos sinais dos tempos, abraçando primeiro o serviço aos seminaristas pobres, depois as missões populares e, por fim, também o anúncio ad gentes em várias partes do mundo, sem se deixarem amedrontar nem mesmo pela perseguição religiosa desencadeada pela Revolução Francesa.
Uma história bela e rica, da qual hoje, no entanto, recordamos um outro momento especial, em que tudo volta a entrar em jogo. É a segunda fundação, a de 1848, em que o Espírito Santo pede à comunidade que partilhe todos os frutos do seu passado num novo cenário. É tempo de se juntar a novos companheiros, os da Sociedade do Sagrado Coração de Maria, também eles missionários, mas com uma história diferente. Para isso, certamente é necessário superar medos e ciúmes, e os irmãos das duas famílias aceitam o desafio, unindo forças e partilhando o que têm num novo começo.
Hoje, depois de mais de um século e meio, vemos que a Providência recompensou a sua generosa e corajosa docilidade ao Espírito: estais presentes em sessenta países dos cinco continentes, com cerca de dois mil e seiscentos religiosos e o envolvimento de muitos leigos. Graças à vossa disponibilidade para a mudança e à vossa perseverança, permanecestes fiéis ao espírito das vossas origens: evangelizar os pobres, aceitar missões onde ninguém quer ir, favorecer o serviço aos mais abandonados, respeitar os povos e as culturas, formar o clero e os leigos locais para o desenvolvimento humano integral, tudo em fraternidade e simplicidade de vida e na assiduidade da oração. Por favor, esta última coisa é importante: rezem, não deixem de rezar. E não apenas a oração formal, não, rezar! Rezem de verdade! Realizai assim aquilo a que o Venerável Libermann chamava “união prática” no serviço, fruto da docilidade habitual ao Espírito Santo e fundamento de toda a missão.
O vosso carisma, aberto e respeitoso, é particularmente precioso hoje, num mundo onde o desafio da interculturalidade e da inclusão é vivo e urgente, dentro e fora da Igreja. Por isso vos digo: não renuncieis à vossa coragem e liberdade interior, cultivai-a e fazei dela um traço vivo do vosso apostolado. Há tantos homens e mulheres que ainda precisam do Evangelho, não só nas chamadas “terras de missão”, mas também no velho e cansado Ocidente. Olhai para cada um com os olhos de Jesus, que deseja ir ao encontro de todos – de todos! Não o esqueçais: todos – aproximando-se especialmente dos mais pobres, tocando-os com as suas mãos, fixando o seu olhar no deles. E para levar a cada um o sopro refrescante e vital do seu Espírito, que é o verdadeiro “protagonista da missão” (cf. S. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 30), deixai-vos guiar por Ele, porque “não há maior liberdade do que a de se deixar conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e a controlar tudo” (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 280). Deixai que Ele vos ilumine, vos dirija, vos impulsione para onde quiser, sem pôr condições, sem excluir ninguém, porque é Ele que sabe o que é necessário em cada época e em cada momento (cf. ibid.).
Esta foi a grande intuição dos vossos fundadores e o belo testemunho de tantos irmãos e irmãs que vos precederam. E este é também o desejo e o convite que hoje vos dirijo. Que Nossa Senhora vos acompanhe. Abençoo-vos de coração e peço-vos que rezeis por mim. Muito obrigado!
Papa Francisco, Segunda-feira, 8 de Maio de 2023