23º Domingo do Tempo Comum
Por (de)formação, a linguagem corrente que usamos para nos referirmos aos outros é denunciadora de uma conceção errada do que eles são, em si e para nós. “Falar da vida alheia”, “não tenho nada a ver com isso”, “não me meto com ninguém”, são algumas das expressões que frequentemente ouvimos e nós próprios também dizemos. Por isso, atentemos bem na mensagem das leituras deste domingo.
Como a Ezequiel, o Senhor faz de cada um de nós uma sentinela, atenta e vigilante, em favor dos nossos irmãos, para lhes anunciarmos a iminência do perigo, para os advertirmos dos riscos que correm. Logo nas primeiras páginas da Bíblia, Deus pergunta a Caim: “Onde está o teu irmão (Abel)?”. Caim reage com outra pergunta: “Acaso serei eu guardião do meu irmão?”, pergunta essa que nem resposta merece da parte de Deus!
S. Paulo, por sua vez, diz-nos que a única dívida que nunca estará totalmente saldada é a do amor fraterno, pois nunca teremos atingido a medida que Cristo nos propõe: “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. ‘Prova de amor maior não há do que dar a vida pelo irmão’ é o refrão de um cântico bem conhecido.
Pelo evangelho de hoje, ficamos a saber que o melhor critério para aquilatarmos do nosso amor fraterno é a forma como perdoamos, parecendo esta tão importante como o próprio perdão. Na verdade, pelas etapas indicadas para o processo do perdão, ressalta bem claro que é assunto a ser tratado na máxima intimidade, entre mendigos de um perdão que não humilha, não esmaga nem destrói, mas que recria e aproxima os intervenientes.
De facto, os outros são tão importantes para mim que, sem eles, eu não posso ser eu; como também os outros, sem mim, não podem ser eles. Mas esta relação só é verdadeira na medida em que faz de ‘mim’ e de ‘eles’ um ‘NÓS’, isto é, na medida em que nos faz próximos e ‘interessados’ uns pelos outros, num relacionamento respeitador, amigo e fraterno, caracterizado por um perdão concedido com generosidade e acolhido com humildade.
Segundo o Papa Francisco, “a indiferença para com o próximo assume diferentes fisionomias. Há quem esteja bem informado, ouça a rádio, leia os jornais ou veja programas de televisão, mas fá-lo de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: estas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se sentem envolvidas, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a ação voltados para si mesmo”.
Passar deste alheamento reinante a uma atitude de atenção, de proximidade, de solidariedade e de comunhão é o percurso para que esta Palavra nos aponta. Saibamos nós acolhê-lo nestes tempos de tanto individualismo e de indiferentismo, gerador de tantos abandonos e de tantas solidões, pois, em vez de muros de isolamento e de divisão, os cristãos são chamados a ser construtores de pontes, que aproximam e geram comunhão!