5º Domingo da Quaresma
Nos textos de hoje, há duas atitudes que o Senhor condena: o rigor implacável do legalismo e a atitude passadista ou saudosista.
Com efeito, na primeira leitura, Deus como que proíbe o seu povo de recordar o passado numa atitude ‘saudosista’, porque Ele continua hoje a fazer maravilhas igualmente grandes ou maiores ainda. A dificuldade está, da nossa parte, em vê-las! É que uma atitude ‘saudosista’ em nada contribui para um compromisso alegre e esperançoso no presente, já que nos fecha numa atitude passadista, vendo e dizendo só mal do presente e culpando, até, Deus pela situação atual!
Bem diferente é a atitude celebrativa – de ‘memorial’ – que, pela evocação das maravilhas por Deus realizadas, nos leva ao louvor e ao compromisso entusiasta na transformação do presente, com a certeza de que o nosso Deus não ficou lá atrás. Foi esta a atitude que levou S. Paulo a afirmar “só penso numa coisa: esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta”.
Mas, não foi esta a atitude dos velhos do texto do evangelho de hoje, indignados não só com a mulher apanhada em adultério, mas também com a atitude compreensiva e perdoadora de Cristo: preferiram retirar-se sorrateiramente, carregando um pecado reconhecido mas não assumido, quando, bem junto deles, estava Alguém que também a eles queria perdoar e dizer–lhes: ide em paz e não volteis a pecar!
Este zelo hipócrita nada tem a ver com o Deus que Jesus Cristo nos veio dar a conhecer. Maior adultério cometiam-no eles ao recusarem o Deus “clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia” – foi assim que Deus se autodefiniu perante Moisés e que Jesus tão admiravelmente retratou na parábola do “pai bom”, que nos foi servida no domingo anterior.
Hoje, o filho mais velho é substituído pelos fariseus e escribas, de dedo acusador apontado para aquela mulher, e aos quais Jesus recorda a nossa comum condição: “atire a primeira pedra quem estiver sem pecado”. Como seriam diferentes as nossas vidas se substituíssemos o rigor, a intransigência e a incompreensão pela misericórdia e pelo perdão mútuo!
De facto, só as águas abundantes e refrescantes do rio do perdão divino podem acabar com a aridez de uma vida corrompida, porque mergulhada na satisfação dos desejos naturais, ou cristalizada numa dureza de coração, incapaz de perceber e sentir a alegria da primavera que chega através do perdão, concedido e acolhido!
Que falta a cada um de nós para que nesta Quaresma aconteçam as maravilhas que Deus continua a realizar? Não será o saborear o perdão de Deus, tão admiravelmente concedido, que nos torna capazes de perdoarmos também aos nossos irmãos? Porquê continuarmos mergulhados na aridez do pecado, quando, mesmo ao lado de nós, correm as abundantes águas do perdão de Deus e da Igreja?