O Professor Adriano Moreira partiu aos cem anos para a Casa do Pai, em quem sempre profundamente acreditou a a quem convicta e coerentemente seguiu. Escrevi, assim no facebook no dia da sua morte (23 de outubro): ‘Conheço o seu Grijó natal, Igreja onde ele foi baptizado, dando um passo inicial numa das suas imagens de marca: a Fé! Tive-o como Professor no Curso de Comunicação Social na UCP, um professor enorme, com quem falei dezenas de vezes, uma vez que eu já era padre e já tinha feito seis anos de ‘guerra’ em Angola e, por isso, tínhamos muitos assuntos a partilhar. Dizia ele que o poder tinha duas legitimidades: a da origem (por eleição, nomeação…) e a do exercício! Também as nossas vidas são assim. O Professor Adriano Moreira é, legitimamente, um dos maiores vultos de Portugal. Merece ser homenageado e seguido. RIP’.
Li dezenas e dezenas de depoimentos, todos diferentes, mas todos unânimes no louvor de um homem bom. Cito, por exemplo, o do P. António Bacelar: ‘A gratidão do dia que finda, não posso decliná-la sem a pessoa do Prof. Adriano Moreira e o modo como atravessou um século de vida. Continuará na nossa história – aquela que vive da memória, mas se projeta para além dela – como o testemunho vivo da possibilidade de verticalidade, serenidade, transparência, diálogo, conciliação (até de opostos) que só a sabedoria pode abrir. Recordo-o em encontro de docentes e investigadores universitários e de ensino superior por volta talvez de 2010, em Fátima: que lição de simplicidade, lucidez, clareza e desconcertante humildade. Olhar que ainda nos primeiros meses de Papa Francisco lhe permitiu a acuidade de ilustrar a sua autenticidade com a genial afirmação de ser, o Papa Francisco, “um que ouve até quando fala”! Porque dela construtor a história continuará a dizê-lo, Professor!’.
Mas – confesso-o com emoção – seriam as publicações dos filhos o que mais me provocou, pois chegaram até mim como marcas do sangue comum que lhes corre nas veias. Deixem-me amplificar o grito de amor do filho João, cujo título do artigo já nos arrepia: ‘O meu Adriano Moreira’. Diz muito e com o coração nas mãos. Partilho apenas algumas das frases: ‘Sou filho de um homem velho, e esse homem velho chama-se Adriano Moreira. Quando era pequeno – já o meu pai era velho -, o meu pai explicou-me, com a frontalidade trasmontana que lhe era característica, que eu ia deixar de ter pai muito cedo. Cresci marcado por este medo, que condicionou muitas decisões que tomei’. Mais adiante diz: ‘O meu pai nasceu pobre. Era filho de um polícia e de uma costureira e lutou muito para chegar onde chegou. Era, literalmente, um self made man. Esta origem teve consequências e manifestações várias, que são o ponto de partida da minha admiração. (…). Era trasmontano de coração, e sempre lembrou – a nós e ao mundo – de onde vinha’.
O filho João continuou a falar do Pai (não do académico nem da figura pública que foi): ‘O meu pai era, também, um homem justo e decente. Ético. Seja na esfera pessoal ou profissional, tenha ou não estado certo se e quando decidiu, guiou sempre os seus processos de decisão por um imperativo de justiça e decência. Agia de acordo com a sua consciência; punha as questões de princípio acima de tudo o resto; fazia o que acreditava ser o mais correto’.
Foi um homem integro e coerente, pagando por isso algumas facturas pesadas: ‘Desta característica resultava outra, relacionada: o desprendimento. Com isto refiro a capacidade de aceitar, com dolo necessário ou eventual, as consequências negativas de decisões tomadas em nome dos seus princípios e do seu sentido de justiça. Porque esse é o verdadeiro teste de caráter. Foram-lhe conhecidas muitas decisões de princípio, mas é interessante cruzar cada decisão com o contexto pessoal em que foram tomadas: o processo-crime contra um Ministro da Defesa, logo no início da sua vida profissional – acabou preso, depois de tanto esforço e privação para tirar o curso…; a demissão de Ministro do Ultramar, por não conceder na visão que tinha para a África – com a consequência da perda de estatuto de jovem estrela do regime; a proteção ao irreverente Bispo da Beira, em Moçambique (forte defensor dos direitos dos indígenas e do respeito pela diversidade de culto), pela via da publicação de artigos de opinião no Jornal da Beira – criando à PIDE o constrangimento de censurar um jornal onde escrevia um antigo Ministro, sem poder antecipar as consequências’.
Teve ainda tempo de perder um filho, o Nuno, um golpe fatal para qualquer pai. E – termina assim este belo texto do João: ‘Seis meses depois, assumiu a sua última responsabilidade – levar a filha mais nova ao altar -, após o que entrou, finalmente, em Tempo de Vésperas, tendo vivido até ao fim tranquilo, sem medo do que o esperava, a falar-nos dos seus pais e a fazer declarações diárias de amor à minha mãe’.
Partiu para junto de Deus um homem integral. Terá que ser para todos uma referência, uma enorme inspiração.