27º Domingo do Tempo Comum
Das três versões que os evangelhos sinóticos nos legaram do ensinamento de Jesus sobre o casamento, este texto de S. Marcos é o que melhor realça a sua perenidade e universalidade: não admite qualquer exceção, nem por parte do homem, nem da mulher – a quem estende também a possibilidade da iniciativa do divórcio -, o que era impensável na cultura daquele tempo.
Quanto à sua atualidade, basta constatar o aumento galopante de divórcios, mesmo entre os casamentos que foram selados com o sacramento do Matrimónio. Se, há umas décadas atrás, o Concílio já designava o divórcio como uma ‘praga’, hoje o menos que se pode dizer é que se brinca ao(s) casamento(s), dadas a ligeireza com que se desfaz o vínculo matrimonial e a legislação civil, que, facilitando cada vez mais o respetivo processo, o favorece. Compete aos casais cristãos dar testemunho de que a fidelidade conjugal é não só possível, mas, sobretudo, que ela é caminho e fonte para a verdadeira felicidade.
De facto, estamos a afastar-nos cada vez mais daquele “princípio”, evocado por Jesus, e é só à sua luz que o casamento deve ser encarado. Com efeito, o texto do Génesis, hoje escutado, não nos diz como a criação foi feita, mas o que ela é aos olhos do seu Autor. E aí está bem afirmada a superioridade da pessoa humana em relação ao resto da criação, a ponto de o ser humano (homem) só encontrar algo de semelhante no outro ser humano (mulher). Estamos a anos-luz de distância da visão aristotélica da mulher, que a colocava a meio caminho entre os animais e o homem!
O grande problema dos nossos tempos é que se pretende eliminar este ‘princípio’, para cada um de nós se tornar a origem e fonte dos seus critérios e valores, isto é, dos seus princípios. Só que daqui não resulta apenas um relativismo total, onde acaba por imperar a lei do mais forte, mas faz o ser humano depender de si mesmo. E os resultados estão à vista: julgando com esta atitude afirmar a sua real liberdade, o ser humano fica, ao contrário, totalmente dependente dos seus caprichos e inclinações, que transformam o outro num objeto descartável, do qual me sirvo enquanto me convém, segundo a moda da época ou a onda do meu capricho.
Esta é que é a ‘dureza’ de coração de que nos fala Jesus. A contemplação do outro e o enamoramento pela sua igual dignidade, mas igualmente pela sua radical diferença, que leva ao respeito e à complementaridade, cede o seu lugar ao olhar cobiçoso, à transformação do outro em objeto que me convém, me interessa ou me dá prazer, do qual disponho segundo as conveniências de cada circunstância.
Jesus não ignorava que o caminho da fidelidade é um caminho exigente e não isento de dificuldades e de sofrimento. Por isso, a Carta aos Hebreus no-lo apresenta como o homem perfeito, “coroado de glória e de honra”, mas que atingiu essa glória perfeita “pelo sofrimento”. E recorda-nos o mesmo texto que é por este caminho que Deus, “origem e fim de todas as coisas”, quer “conduzir muitos filhos para a sua glória”.
Deixemo-nos, pois, reconduzir por Jesus ao “princípio” de tudo, que é o coração do nosso Deus, pois só n’Ele encontraremos a verdadeira liberdade e a felicidade plena!