Solenidade do Pentecostes
Os mais antigos recordam-se seguramente de, umas décadas atrás, se ter falado muito numa língua artificial – o esperanto – que seria a língua veicular para todo o universo. Acabou por não passar de mera utopia, cujo resultado, aliás, não era difícil de prever. O grande ensinamento da solenidade do Pentecostes é que a verdadeira comunicação com os outros faz- -se mais pela linguagem do coração, do que pelas palavras que a nossa boca possa pronunciar.
Com efeito, a narrativa lucana do acontecimento do Pentecostes foi construída tendo como pano de fundo – e em contraste com ele – o episódio da Torre de Babel, descrito em Gen. 11. A sua evocação torna-se, assim, indispensável neste dia.
Encarado frequentemente como explicação religiosa para a multiplicidade das línguas, essa leitura levar-nos-ia até um deus ciumento e receoso das capacidades dos homens, os quais, uma vez unidos, lhe poderiam fazer frente. A verdade é bem outra: na mira do autor está a cultura babilónica, bem caracterizada pelas suas torres (zigurates). Um dos mais famosos terá sido o ‘zigurate de Marduk’, apelidado exatamente de ‘torre de Babel’. Os Judeus, pelo exílio, sentiram bem na pele os efeitos desse império e conheceram perfeitamente a sua ambição de estender a todo o mundo o seu domínio. Basta recordar que, no Apocalipse, Babilónia é o símbolo do mal, que Deus vai destruir.
Deus não é inimigo do homem e dos seus sucessos, mas inimigo dos inimigos do homem. A unidade, querida por Deus, não é construída sobre a unicidade, mas sobre a diversidade e a pluralidade. O seu Espírito, sobre nós derramado, manifesta–se em todas as línguas e concede dons diferenciados, para a todos congregar na unidade.
Com efeito, mesmo na diversidade das línguas, há uma linguagem que todos conhecem e a todos aproxima – a linguagem do amor! O problema não está tanto nas palavras, mas no coração de quem as pronuncia. De facto, só com Deus, pelo seu Espírito, conseguiremos falar a linguagem que toda a gente entenda: a linguagem da paz, do perdão, da solidariedade para com todos e em todas as circunstâncias; só com o Espírito Santo teremos forças para vencer a ‘dis-córdia’ dos egoísmos, dos ódios e das vinganças, da indiferença e do ‘salve-se quem puder’ e construir a ‘con-córdia’ da fraternidade universal, em cuja mesa haja lugar para todos.
Deus não está contra o homem, pelo contrário, a sua glória é o homem vivo, como afirmou S.to Ireneu. Quisessem todos os homens unir-se para o bem-estar de todos e não lhes faltaria a abundância dos dons do Espírito Santo! Com efeito, tudo o que aproximar, tudo o que fizer comunhão e unidade, promovendo a diversidade, a harmonia, o respeito e o apreço pela originalidade dos outros, tem a ‘marca’ do Espírito de Deus. Por isso, também hoje e aqui nos podemos e devemos perguntar: “De que Espírito somos?” Somos geradores de “dis-córdia” ou de “con-córdia”?
Deixemos soprar em nós o vento forte do Espírito Santo, deixemos que aconteça ‘pentecostes’ nas nossas vidas e veremos como Ele é capaz de renovar, ainda hoje, a face da Terra! Para isso, rezemos com Libermann: “Espírito Santo, fazei-me escutar a vossa amável voz, refrescai-me com o vosso divino sopro. Quero ser para vós como leve pena, a fim de que o vosso sopro me conduza para onde quiser e eu não lhe ofereça a menor resistência”.