2º Domingo da Quaresma
Resistir às tentações é, no fundo e como vimos no passado domingo, recusar a autonomia e a autodeterminação de que tanto gostamos, para reconhecer Deus como o único senhor absoluto da nossa vida, aceitando deixar-se guiar e conduzir por Ele.
Foi isso que aconteceu com Abraão, o qual se tornou, assim, o nosso ‘pai na fé’, o tronco comum para os crentes de três grandes religiões: judeus, católicos e muçulmanos.
A fé aparece-nos, assim, não como uma crença indefinida, incolor e inodora num ser superior, mas como a obediência pronta à sua vontade, mesmo em relação àquilo que nos possa ser mais querido: “deixa a tua terra, a tua família e a casa de teus pais”. João Paulo II definiu-a com estas palavras: “acreditar é ‘abandonar-se’ à própria verdade da palavra de Deus vivo, sabendo e reconhecendo humildemente ‘quão insondáveis são os seus desígnios e imperscrutáveis os seus caminhos”. Em troca, o Senhor não só nos garante a sua bênção, mas também que nos tornaremos fonte de bênção para todos: “por ti serão abençoadas todas as nações da terra”.
Cristo, transfigurando-se no alto do monte Tabor, é-nos apresentado como o modelo a escutar e a seguir, porque plenamente obediente à vontade de Deus. A recomendação feita aos privilegiados Pedro, Tiago e João de nada dizerem daquilo que presenciaram, tem mais a ver com a sua correta compreensão do que com qualquer segredo caprichoso. É que o caminho para alcançar a sua glorificação definitiva vai passar obrigatoriamente pela paixão e morte na cruz. Aliás, a conversa de Jesus com Moisés e Elias e o convite de S. Paulo – “sofre comigo por causa do Evangelho” – mostram-nos bem que a fé não é uma caminhada por sobre as nuvens, num mundo cor-de-rosa, mas uma travessia pelo tormentoso mar do sofrimento e da dor.
Até onde é que vai a minha fé? Em que medida resulta ela da escuta atenta e frequente da Palavra de Deus? Que espécie de transfigurações provoca ela na minha vida? Eis algumas das questões que não deveríamos evitar ou iludir durante este tempo de Quaresma! É por aqui que poderemos fazer da nossa fé o ‘caminho novo’ para a nossa vida e concretizar o símbolo da veste branca no nosso batismo: “agora és nova criatura e estás revestido/a de Cristo”.