No dia 9 de setembro de 2018, a Família Espiritana, a Paróquia de São Miguel da Carreira (Barcelos) e a família Ferreira Pereira vestiram-se de festa para a Celebração eucarística, durante a qual, pela oração da Igreja e pela imposição das mãos de D. Nuno Almeida, Bispo auxiliar de Braga, o Diácono José Carlos Ferreira Pereira foi eleito e ordenado presbítero no meio dos seus, na sua terra natal, para ser enviado para o mundo, nomeadamente, para Taiwan.
“A Sabedoria é árvore da vida para aqueles que a alcançam” (Pr 3,18)
Para mim, o tempo de preparação tem muito valor. Mais do que preparar detalhes, o tempo que precede algum momento ajuda-me a redescobrir-me na minha opção de vida. É uma questão de honestidade e, até mesmo, de identidade. Pessoalmente, a preparação da minha ordenação foi vivida como um momento de redescoberta pessoal perante Deus.
Partindo da leitura do meu percurso vocacional, descobri na Alegoria da Sabedoria uma mestra que serve incansavelmente o saber e o sabor da Palavra e do Pão de Deus, e que convida insistentemente a abrir as portas do coração para acolher Cristo, Sabedoria de Deus, que deu a vida por cada um de nós na Cruz, Árvore da Vida.
Para ilustrar o lema escolhido, procurei projetar um logotipo que exprimisse, simbolicamente, aquilo a que me sinto desafiado viver, enquanto religioso e padre missionário. A árvore da vida ganha forma na cruz desenhada a verde, simbolizando a fonte da esperança e da vida renovada em Cristo. Esta mesma cruz serve de suporte a um grupo de sete pessoas, unidas na diferença, que abraçam a cruz e formam uma árvore em tons encarnados, qual sarça-ardente que arde sem se consumir (Ex 3,2-4), para simbolizar o fogo da presença de Deus. A árvore da vida resulta, assim, da conjugação da cruz com a árvore formada por sete pessoas para nos recordar a presença do Espírito Santo no centro da nossa vida. O Espírito Santo que, através da Sabedoria divina, se manifestou na casa onde os discípulos se encontravam através de línguas de fogo (At 2,1-5), continua, hoje, a distribuir os seus dons e a enviar-nos em Missão.
“Quem for simples venha a mim” (Pr 9,4)
Partindo da leitura de um trecho do livro dos Provérbios, onde se lê que a Dona Sabedoria edifica a sua casa (Pr 9,1-6), um grupo de pessoas generosas e criativas da terra uniu esforços para construir o espaço litúrgico campal. Todos os objetos inspiraram-se na sabedoria e beleza da cultura local e convergiram para nos envolver no ambiente das casas, nomeadamente, das cozinhas tradicionais, onde, à volta da lareira, a família se reúne para celebrar a arte de viver e de louvar a Deus. Todo o espaço se desenhou liturgicamente familiar para que todos, reunidos à volta da árvore da Vida, se sentissem convidados pela simplicidade da Sabedoria divina a participar de tão sublime mistério eucarístico.
Como a Sabedoria não exclui ninguém, convidei um grupo de amigos especiais do grupo de Fé e Luz do Porto e pedi-lhe que preparasse um momento para agradecer a todos aqueles e aquelas que, contra ventos e marés, levaram a bom porto a realização de tão bonita e significativa festa de ordenação. Estes amigos especiais portadores de deficiência comoveram toda a gente ao cantarem uma música que anuncia a Beleza da Sabedoria de Deus, Jesus Cristo, que faz bela a nossa vida, embalando-nos, tocando-nos, abrindo-nos os olhos para a Verdade daquilo que somos perante Deus.
“Vinde, comei do meu pão e bebei do vinho que preparei” (Pr 9,5)
É difícil destacar um só momento da Celebração, pois cada um só tem verdadeiro significado quando vivido no todo da Celebração. Recordo a saída simbólica da casa dos meus pais que me fez sentir que, não estando só, pertenço a uma família maior (Mt 19,29). O percurso a pé até ao cemitério, onde rezei em silêncio. O momento em que, já na celebração eucarística, sou chamado e me apresento diante da comunidade onde nasci e cresci para a fé. O momento em que os meus pais e irmão transportam para o altar o cálice e a patena, talhados em forma de folha de papiro, prontos a receber o vinho e o pão eucarístico. O momento em que, já padre, recebo as vestes litúrgicas das mãos do meu pároco e tio espiritano. O momento em que consagro o meu ministério a Maria, sede de Sabedoria, que manifesta o seu coração de Mãe e derrama continuamente as suas graças.
Todo o rito de ordenação transporta em si uma carga litúrgica e teológica imensuráveis. Senti que a partir do momento em que dei o primeiro sim, o tempo e espaço já não me pertenciam, pois estavam entregues nas mãos da Sabedoria de Deus em quem pus a minha confiança. Não era tanto o rito quem me conduzia, mas a beleza sacramental dos gestos e das palavras.
Confesso que guardo deste dia muitos olhares, sorrisos, toques, gestos, palavras, silêncios, aromas, presenças e ausências. Desejo apresentar continuamente tudo ao Senhor da Messe e fazer de tudo um motivo de oblação agradável a Deus por todos aqueles que desejaram partilhar comigo este passo importante na minha vida.
Cada momento foi meticulosamente dirigido pelo Diácono Lino de Campos, mas foi através da participação das pessoas que a Celebração se transformou num verdadeiro momento de ação de graças. No dizer de D. Nuno Almeida, bispo auxiliar de Braga que assumiu a presidência da celebração como bispo ordenante: “A celebração da Eucaristia e da ordenação sacerdotal foram preparadas e vividas com empenho e beleza, pois cada um deu o melhor de si mesmo no canto, na decoração, na presença e participação. Quando assim é, experimentamos já um pouco de paraíso”.
“Deixai a insensatez e vivereis, andai pelos caminhos da inteligência» (Pr 9,6)
A Sabedoria dispôs a sua casa e desafiou a todos, como um dia me desafiou e cativou e me levou a aprofundar o mistério da minha vocação no seguimento de Jesus Cristo. Este passo ganhou maior sentido para mim na medida em que foi plenamente vivido através da sabedoria da cultura local. Para além do espaço, a participação do grupo infantojuvenil de Carreira ajudou a viver momentos de particular importância na Celebração. Dois jovens devidamente trajados abriram o espaço litúrgico como quem abre a sua casa para acolher a chegada de Cristo. A casula e a estola feitas de linho, guardando em si a riqueza da sabedoria familiar que, com arte e engenho, dava as devidas voltas à palha de linho para a transformar em tecido de alta qualidade, chegaram do campo ao altar com a marca da cultura e da arte das mulheres da terra que, com paciência e engenho, dão à luz o bordado de crivo tão típico da terra de São Miguel da Carreira. Várias pessoas devidamente trajadas transportaram para o altar os frutos das fadigas e alegrias, artes e saberes das gentes da terra.
Confesso que tudo convergiu para me inundar de uma alegria indescritível. Este dia de festa, mais do que o culminar de um percurso, foi pessoalmente sentido como um momento de confiança n’Aquele que chama e envia. Sentia-me consciente da minha primeira vocação, daquele momento em que, desde tenra idade, a Sabedoria divina me enamorou e me fez construir a minha vida à procura d’Aquele Jesus que me cativara através da visualização de desenhos animados bíblicos. Essas manhãs de domingo, vividas, outrora, na simplicidade da construção de um mundo de reis, princesas, dragões, personagens bons e maus, heróis e perdedores em muito contribuíram para traçar um percurso pessoal de discernimento, onde não faltaram os saltos de alegria e de procura, os trambolhões e as quedas de quem busca, os ânimos de quem encontra, se encontra e se sente amado, assim como os desânimos de quem desespera. Mas tudo faz sentido, porque “A Sabedoria é árvore da vida para aqueles que a alcançam” (Pr 3,18).