Acolhido com um banho de cultura iraquiana em Bagdad, a 5 de março, o Papa Francisco encontrou-se com o Presidente da República, governo e diplomatas. Disse-lhes: ‘a diversidade religiosa, cultural e étnica, que há milénios carateriza a sociedade iraquiana, é um recurso precioso de que lançar mão, e não um obstáculo a ser eliminado. Hoje o Iraque é chamado a mostrar a todos, especialmente no Médio Oriente, que as diferenças, em vez de gerar conflitos, devem cooperar harmoniosamente na vida civil’.
Depois, encontrou Bispos e outros responsáveis católicos na Catedral Sírio-Católica de N.Sra do Perpétuo Socorro onde, em 2010, morreram mais de 50 pessoas num ataque suicida durante a Missa. O Papa evocou o zelo pastoral que vem dos primeiros séculos da Igreja e apresentou a esperança como vacina para os difíceis tempos que se vivem. Sobre a Missão, o Papa reconheceu o mar de dificuldades em que os cristãos iraquianos vivem – e prestou homenagem às vítimas do terrorismo -, mas deu lugar ao futuro, porque ‘Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho’. Insistiu: ‘Que o vosso testemunho, amadurecido nas adversidades e fortalecido pelo sangue dos mártires, seja uma luz que resplandece dentro e fora do Iraque’.
No dia seguinte, o Papa e o Ayatolah Al-Sistani encontraram-se durante quase uma hora em Najaf, lugar sagrado dos muçulmanos xiitas, tal como Meca e Medina. Al Sistani, com 90 anos, é figura muito respeitada e escutada, sendo um defensor público de eleições livres e opositor declarado ao Estado Islâmico. O Papa agradeceu a lucidez, a abertura e a coragem deste líder muçulmano.
Depois, em Ur, na Casa de Abraão, houve um encontro Inter Religioso. O Papa pediu a cura das feridas da guerra e a abertura de caminhos de fraternidade (a vacina do futuro), bem como uma paz ‘sem vencedores e sem vencidos’, sem inimigos, apenas com irmãos. O sonho de Deus é que ‘a família humana se torne hospitaleira e acolhedora para com todos os seus filhos; que, olhando o mesmo céu, caminhe em paz sobre a mesma terra’. No fim, todos rezaram a oração dos filhos de Abraão.
De regresso a Bagdad, o Papa celebrou Missa na Catedral Caldeia de S. José. Disse na homilia que, para Deus ‘não é maior quem tem, quem pode tudo, quem é aclamado’. Apelou ao testemunho corajoso em contexto de pobreza e adversidade porque ‘é assim que se muda o mundo: não com o poder nem com a força, mas com as Bem-Aventuranças’. Amor, paciência e sabedoria são as chaves da salvação.
O domingo foi denso e intenso. O Papa visitou a cidade mártir de Mossul e, na praça da Igreja destruída pelo estado islâmico em 2014, fez uma oração de sufrágio pelas vítimas da guerra, citando os dois símbolos da cidade que ‘testemunham o perene desejo da humanidade se aproximar de Vós: a mesquita Al-Nouri com o seu minarete Al Hadba e a igreja de Nossa Senhora do relógio’. Disse antes: ‘reafirmamos a nossa convicção de que a fraternidade é mais forte que o fratricídio, que a esperança é mais forte que a morte, que a paz é mais forte que a guerra. Esta convicção fala com uma voz mais eloquente do que a do ódio e da violência; e jamais poderá ser sufocada no sangue derramado por aqueles que pervertem o nome de Deus ao percorrer caminhos de destruição’.
Depois seguiu para Qaraqosh, onde são visíveis ‘os sinais do poder destruidor da violência, do ódio e da guerra’. Ali se encontrou com a comunidade cristã sobrevivente. Confessou o Papa: ‘Quando chegava de helicóptero, vi a estátua da Virgem Maria sobre esta igreja da Imaculada Conceição e confiei-Lhe o renascimento desta cidade. Nossa Senhora não só nos protege do Alto, mas, com ternura materna, desce até junto de nós. Aqui a sua estátua foi danificada e espezinhada, mas o rosto da Mãe de Deus continua a olhar-nos com ternura. Porque é assim que fazem as mães: consolam, confortam, dão vida’. Na Oração do Angelus, ao meio dia, lançou um desafio: ‘Agora é o momento de reconstruir e recomeçar’.
Esta visita concluiu com a Eucaristia, presidida pelo Papa no Estádio Franso Hariri, em Erbil. O Papa, na homilia, insistiu na paz como fruto da reconciliação, da liberdade e da fraternidade. Concluiu: ‘Cristo, Bom Samaritano da humanidade, deseja ungir cada ferida, curar cada recordação dolorosa e inspirar um futuro de paz e fraternidade nesta terra’. Confessou ao povo as razões que o levaram ao Iraque: ‘para vos agradecer e confirmar na fé e no testemunho. Hoje, posso ver e tocar com a mão que a Igreja no Iraque está viva, que Cristo vive e age neste seu povo santo e fiel’.
No aeroporto de Bagdad garantiu: ‘Parto com o Iraque no coração.!’
ORAÇÃO DOS FILHOS DE ABRAÃO
Deus Todo-Poderoso, nosso Criador, que amais a família humana e tudo o que as vossas mãos fizeram, nós, filhos e filhas de Abraão pertencentes ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao Islão, juntamente com os demais crentes e todas as pessoas de boa vontade, agradecemo-Vos por nos terdes dado como pai comum na fé Abraão, filho insigne desta nobre e amada terra.
Agradecemo-Vos pelo seu exemplo de homem de fé que Vos obedeceu completamente, deixando a sua família, a sua tribo e a sua pátria a fim de ir para uma terra que não conhecia.
Agradecemo-Vos também pelo exemplo de coragem, resiliência e força de ânimo, generosidade e hospitalidade que nos deu o nosso pai comum na fé.
Agradecemo-Vos particularmente pela sua fé heroica, demonstrada na disponibilidade em sacrificar o próprio filho para obedecer à vossa ordem. Sabemos que era uma prova muito difícil, da qual todavia saiu vitorioso, porque confiou sem reservas em Vós, que sois misericordioso e sempre abris novas possibilidades para recomeçar.
Agradecemo-Vos porque, abençoando o nosso pai Abraão, fizestes dele uma bênção para todos os povos.
Pedimo-Vos, Deus do nosso pai Abraão e nosso Deus, que nos concedais uma fé forte, operosa no bem, uma fé que abra os nossos corações a Vós e a todos os nossos irmãos e irmãs; e uma esperança irreprimível, capaz de em tudo vislumbrar a fidelidade das vossas promessas.
Fazei de cada um de nós uma testemunha do vosso cuidado amoroso por todos, especialmente os refugiados e os deslocados, as viúvas e os órfãos, os pobres e os doentes.
Abri os nossos corações ao perdão recíproco, tornando-nos instrumentos de reconciliação, construtores duma sociedade mais justa e fraterna.
Acolhei na vossa morada de paz e luz todos os defuntos, de modo particular as vítimas da violência e das guerras.
Assisti as autoridades civis na busca e localização das pessoas sequestradas e na proteção especial das mulheres e crianças.
Ajudai-nos a cuidar da terra, a casa comum que, na vossa bondade e generosidade, destes a todos nós.
Sustentai as nossas mãos na reconstrução deste país e dai-nos a força necessária para ajudar, aqueles que tiveram de deixar as suas casas e terras, a regressar em segurança e com dignidade, e a começar uma vida nova, serena e próspera. Amen.
Rezada em Ur, terra natal de Abraão
6 março 2021
ORAÇÃO PELAS VÍTIMAS DA GUERRA
Deus Altíssimo, Senhor do tempo e da história, por amor criastes o mundo e nunca cessais de derramar as vossas bênçãos sobre as vossas criaturas. Com terno amor de Pai, acompanhais os vossos filhos e filhas, para além do oceano do sofrimento e da morte, para além das tentações da violência, da injustiça e do lucro iníquo.
Mas nós homens, ingratos pelos vossos dons e distraídos pelas nossas preocupações e ambições demasiado terrenas, muitas vezes esquecemos os vossos desígnios de paz e harmonia. Fechamo-nos em nós mesmos e nos nossos próprios interesses e, indiferentes a Vós e aos outros, fechamos as portas à paz. Assim se repetiu aquilo que o profeta Jonas ouviu dizer de Nínive: a maldade dos homens subiu até à presença de Deus (cf. Jn 1, 2). Não levantamos para o Céu mãos puras (cf. 1 Tm 2, 8), mas da terra subiu mais uma vez o grito do sangue inocente (cf. Gn 4, 10). Os habitantes de Nínive, na narração de Jonas, ouviram a voz do vosso profeta e encontraram salvação na conversão. Também nós, Senhor, ao mesmo tempo que Vos confiamos as inúmeras vítimas do ódio do homem contra o homem, invocamos o vosso perdão e suplicamos a graça da conversão:
Kyrie eleison! Kyrie eleison! Kyrie eleison!
[Senhor, tende piedade de nós! Senhor, tende piedade…]
– um momento de silêncio –
Senhor nosso Deus, nesta cidade, dois símbolos testemunham o perene desejo da humanidade se aproximar de Vós: a mesquita Al-Nouri com o seu minarete Al Hadba e a igreja de Nossa Senhora do relógio. É um relógio que, há mais de cem anos, lembra aos transeuntes que a vida é breve, e o tempo precioso. Ensinai-nos a compreender que Vós nos confiastes o vosso desígnio de amor, paz e reconciliação, para o realizarmos no tempo, no breve arco da nossa vida terrena. Fazei-nos compreender que, só colocando-o em prática sem demora, será possível reconstruir esta cidade e este país e curar os corações dilacerados pela dor. Ajudai-nos a não gastar o tempo ao serviço dos nossos interesses egoístas, pessoais ou coletivos, mas ao serviço do vosso desígnio de amor. E quando nos transviarmos, concedei que possamos dar ouvidos à voz dos verdadeiros homens de Deus e arrepender-nos a tempo, para não nos arruinarmos ainda mais com destruição e morte.
Confiamo-Vos as pessoas, cuja vida terrena foi abreviada pela mão violenta dos seus irmãos, e imploramo-Vos também, para quantos fizeram mal aos seus irmãos e irmãs, que se arrependam, tocados pelo poder da vossa misericórdia:
Requiem æternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis.
Requiescant in pace. Amen.
[Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso, entre os esplendores da luz perpétua.
Descansem em paz. Amen.]
Oração rezada na Praça da igreja de Mosul
7 de março de 2021