Já todos tivemos dias maus. Já todos soubemos que ficámos aquém numa ou noutra situação. Já todos ficámos sem dormir por um problema.
Mas será que já nos sentimos indignos do Amor de Deus? Ou, por outra, achamos sempre que Ele nos “deve” isso como bom pastor que é?
Quando olhamos para o nosso Portugal ardido e lamentamos todas as perdas – as humanas e as materiais -, como é que contribuímos para a solução? Rezamos? Voluntariamo-nos? Somos solidários? Damos o que temos ou o que nos sobra? Manifestamo-nos publicamente? Escrevemos cartas a reclamar justiça? Ou tomamos a nossa refeição em frente aos noticiários, continuando passivamente o nosso quotidiano meticulosamente organizado?
Dificilmente alguém que já experimentou a Graça de Deus, o sentir-se abandonado a um amor que não acaba, pode afirmar que nunca temeu ser indigno de tocar as Suas chagas. Reconhecer essa Graça recebida é saber que eu não mereço aquilo que tenho, mas Deus, na sua infinita misericórdia, me dá todas as oportunidades para me aproximar Dele.
Pelo contrário, puxar para nós os problemas, entrando num processo de autovitimização descabido (veja-se o exemplo de alguns responsáveis políticos com discursos desconcertantes), torna-nos indignos de tocar as chagas de Cristo porque quem não é capaz de tocar nos irmãos que suportam a violência (das escolhas e negócios) de outros, reconhecendo neles o Deus que sofre, não verá mais do que as suas próprias feridas. Se todos os verbos que pronunciamos são conjugados no singular não alcançaremos jamais a face de Deus.
Perante um país que sucumbe à dor de meses e meses de feridos, mortos e destruição, e que se “habituou” ao hastear e descer da bandeira em sinal de respeito, só há silêncio e nada mais. Não há palavras de responsáveis políticos seja de que quadrante for que possam resgatar a confiança de quem se sente defraudado.
Escutar o testemunho do senhor Manuel Francisco, capa da edição do jornal Público no dia a seguir aos incêndios, na mesma data em que se assinala o seu 82º aniversário, permite-nos compreender que há pessoas que na sua simplicidade “voam” mais alto do que os muros que a sociedade insiste em cimentar. Nunca antes as palavras de São Bento Mennii ressoaram tanto no meu coração: “mais vale exceder em misericórdia do que em justiça”.