A salvação do povo de Israel no tempo do Dilúvio exigia que todos entrassem na Arca de Noé. Hoje, no tempo da covid, estamos a enfrentar esta tempestade e só nos salvaremos se entrarmos juntos na Barca da fraternidade. O Papa foi claro ao afirmar que, ou nos salvamos juntos ou nos afogaremos todos!
A Diocese do Porto, minha terra natal, está a viver este ano com um lema desafiante: ‘todos Família. Todos Irmãos’. E, para melhor enfrentar esta Quaresma, o tema vai na mesma linha: ‘todos juntos na Arca da Aliança’. Pede-se que se viva este tempo marcado pela pandemia criando em cada casa um cantinho de oração para se poder viver, a par e passo, a história da Aliança de Deus com o seu povo. O importante é fazer caminho juntos, em família, um dos grandes ‘patrimónios da humanidade’. É pedido que se pense em gestos, atitudes concretas que possam transformar vidas.
Abrindo mais o mapa geográfico, salto do Porto para o Brasil. Ali, como acontece cada cinco anos, a Campanha da Fraternidade é Ecuménica. Quer dizer que não põe só os católicos a viver intensamente a Quaresma, mas há muitos outros cristãos, membros de outras Igrejas, a caminhar com fé, solidariedade e coragem em direção à Páscoa. Viver a Quaresma de uma forma comprometida e solidária é fazer com a que a Fé nunca se desligue da Caridade. O tema é: “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef. 2.14). Há objetivos específicos muito claros: ‘Denunciar as violências contra pessoas, povos e a Criação, em especial, as que usam o nome de Jesus; Encorajar a justiça para a restauração da dignidade das pessoas, para a superação de conflitos e para alcançar a reconciliação social; Animar o compromisso por ações concretas de amor à pessoa próxima; Promover a conversão para a cultura do amor em lugar da cultura do ódio; Fortalecer e celebrar a convivência ecuménica e inter-religiosa’.
E da América Latina salto para a Igreja universal, com a Mensagem que o Papa Francisco acaba de publicar. ‘Vamos subir a Jerusalém…’ (Mt 20, 18)’ é tema de um tempo que pretende renovar a Fé, a Esperança e a Caridade. Acho inovadora a forma como o Papa fala dos grandes valores da Quaresma: o jejum (o caminho da pobreza e da privação); a esmola (a atenção e os gestos de amor pelas pessoas feridas); a oração (o diálogo filial com o Pai). Assim se consegue – segundo o Papa – ‘encarnar uma Fé sincera, uma Esperança viva e uma Caridade operosa’.
A Fé leva-nos a acolher a verdade para sermos testemunhas de Cristo vivo e solidário com os mais frágeis. Quem jejua e partilha com os mais pobres está a acumular a riqueza do Amor de Deus. A Quaresma é tempo de largarmos as amarras que nos prendem aos bens que consumimos em exagero e às informações que nos saturam e estragam, muitas vezes, as nossas relações.
A Esperança abre-nos a um futuro de misericórdia, aberto por Cristo. Deus tem a última palavra na história dos humanos. Como Pai, Deus cuida com paciência da sua Criação e faz um apelo à nossa paciência nas relações com Ele, com os irmãos e com a natureza criada, a quem maltratamos tantas vezes.
O Papa pede que, nesta Quaresma apostemos mais no perdão e na fraternidade, dizendo ‘palavras de incentivo que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam e desprezam’ (FT 223).
Há que rezar mais e melhor, apostando no recolhimento que nos permite invocar de Deus inspiração e luz interior.
Finalmente, a Caridade é apresentada como a mais alta expressão da Fé e da Esperança.
A Caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós e aprofundar a partilha e a comunhão. Por vezes, não temos muito para partilhar, mas o nosso ‘pouco’, se for partilhado com amor, nunca acaba, mas até se transforma em reserva de vida e felicidade.
E, claro, esta Quaresma será marcada pela pandemia e suas vítimas, num número cada vez mais expressivo. Por isso, o Papa alerta: ‘viver uma Quaresma de Caridade significa cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia por causa da covid 19’. Conclui que ‘cada etapa da vida é um tempo para crer, esperar e amar’.
A Salvação está sempre ao nosso alcance: ontem na mesma Arca, hoje na mesma Barca!