A liderança exige competência. Nunca me esqueço o que ensinava o Professor Adriano Moreira na cadeira de Relações Internacionais. Dizia que os governos precisam de garantir duas legitimidades: a de origem (eleição e nomeação) e a do exercício (a forma como governam). Muitas vezes, também na Igreja, não falta a legitimidade de origem (pois os responsáveis foram eleitos e/ou nomeados), mas deitamos tudo a perder com a forma como se exercem as missões e responsabilidades que foram confiadas. É verdade que se cometem erros graves por maldade e má fé. Mas, na maioria dos casos, os erros mais grosseiros são resultado de incompetência e falta de capacitação.
Esta é talvez a razão principal porque os novos Bispos são chamados ao Vaticano para fazer uma espécie de curso de iniciação ao ministério episcopal. Pela mesma razão, os Superiores Maiores dos Espiritanos são chamados a Roma, à Casa Geral, para uma formação sobre liderança, a que se decidiu chamar ‘Encontro dos Novos Superiores’. O último acaba de acontecer.
Os novos superiores provinciais são convidados a passarem uma vez na casa generalícia para um tempo de formação, oração e partilha com todos os membros de generalato, em Roma.
O P. Pedro Fernandes esteve presente e apresenta o seu testemunho sobre este encontro que se realizou de 25 fevereiro a 06 de março 2020.
Temas candentes
Não há segredos quanto às temáticas abordadas: apresentação de cada país presente; liderança e animação; processos canónicos; justiça, paz e integridade da criação; Diálogo InterReligioso; nomeações missionárias; questões de desenvolvimento e solidariedade; finanças; salvaguarda de menores e adultos vulneráveis; formação para a Missão; situações irregulares; Missão partilhada com leigos. Sobretudo, muito tempo para rezar, partilhar, confraternizar, pois os Espiritanos são 3 mil em mais de 60 países e há muita riqueza a partilhar, bem como muitos dramas a tentar resolver.
Devo confessar que o melhor deste encontro foram as partilhas do que se vai fazendo por esse mundo além. Estiveram presentes os Superiores recém-eleitos de Angola, Bolívia, Brasil, África Central, Congo Kinshasa, Etiópia, Irlanda, Madagáscar, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Filipinas, Portugal, Porto Rico /República Dominicana, África do Sul, Taiwan / Vietname /Índia e Zimbabwe. Passaram, assim, por este encontro a vida e a missão espiritana que vai acontecendo em vinte países espalhados pelo mundo.
Vou partilhar a visita guiada que cada um dos novos Superiores nos fez.
De Angola ao Brasil
O P. Gaudêncio, Provincial de Angola, apresentou um país em mudanças profundas. Os Espiritanos estão presentes em boa parte das dioceses e sentem o desafio de ajudar a combater a corrupção e a desenvolver o país, sempre ao lado dos mais pobres que ainda não se conseguiram levantar depois de uma guerra civil muito cruel. Têm muitos candidatos a Espiritanos e, sobretudo, mostram um rosto internacional, com membros de 15 países diferentes.
A Bolívia é um jovem grupo com um Superior português: o P. Márcio Asseiro. O país está em crise política, tendo o seu presidente abandonado a Bolívia, após eleições consideradas fraudulentas pela oposição que agora governa. As populações são pobres e o narcotráfico é forte. Os Espiritanos fazem caminho com o povo nas periferias difíceis de Santa Cruz de la Sierra e no meio rural em Buenavista, uma antiga Missão dos jesuítas. O grupo não tem nem missionários suficientes nem condições financeiras para a autossustentabilidade. Mas é jovem e está do lado dos mais pobres.
O Brasil é um continente e, por isso, tem quatro grupos Espiritanos. Dois deles estiveram em Roma representados. A Província do Brasil, com o P. Leonardo Silva, debate-se com o tamanho do país, a falta de missionários e a urgência de continuar a lutar ao lado dos mais fragilizados por governos que não cuidam dos mais pobres. O Grupo do Brasil Sudoeste, com o P. Brendan Folley, continua a sua aposta na pastoral das grandes favelas de S. Paulo. Pude visita-los na Vila Prudente e nos Perus, lá onde a pobreza é extrema e a violência incontrolável. Mas também investem muito na formação dos jovens, com a direcção do Centro de Capacitação Juvenil, com sede em S. Paulo.
Do coração de África ao Paquistão
O P. Blaise explicou bem o drama que se vive na República CentroAfricana, um país vítima de ataques constantes de grupos islâmicos radicais que semeiam o pânico e ferem a convivência entre crentes de várias Religiões.
O P. Crispim Mbumba, que estudou no Porto, mostrou um rosto do Congo Kinshasa com as marcas de um povo que tem esperança no futuro, mas vive ainda muitas situações de instabilidade e injustiça que fazem temer piores dias.
O P. Iede de Lange falou da Etiópia como terra de grande tradição cristã, onde os Espiritanos apostaram numa Missão com o carimbo do ecumenismo com a Igreja Ortodoxa. Hoje sentem-se empurrados para fora do país por leis que não facilitam a vida aos missionários estrangeiros, a não ser que trabalhem nas áreas da saúde e da educação. Os Espiritanos acabaram de assumir a capelania da União Africana.
O P. Martin falou de uma Irlanda a arder, após bastantes casos antigos de pedofilia, drama que arrasou a imagem social da Igreja e prejudica muito o trabalho missionário neste país de longa tradição católica.
De Madagáscar chegou o testemunho do P. Théodore, antigo missionário em Angola. Nesta Ilha do Índico, os Espiritanos trabalham com crianças de rua e investem muito numa evangelização que combate a corrupção e a injustiça no país.
O P. Abbah veio do noroeste da Nigéria, país marcado por problemas de fundamentalismo religioso grave que tem gerado muitas mortes e fugas. Além da educação, os Espiritanos investiram num Centro de acolhimento e apoio a órfãos e crianças de Rua.
O Paquistão tem sido marcado pela violência islâmica e pela intolerância religiosa. É neste contexto difícil que os Espiritanos trabalham, sempre ao serviço de etnias minoritárias e desprezadas, como contou o P. Jean Baptista Mugerwa.
Do Paraguai ao Zimbabwe
A realidade do Paraguai é marcada pela pobreza dos povos indígenas, com os quais os Espiritanos trabalham há meio século. Seja nas periferias da capital, seja no interior abandonado, a Missão está ‘pintada’ com as cores guaranis, segundo o P. Ruben Uscanga.
Desafio enorme é-nos lançado pelas Filipinas, essa imensidade de Ilhas nos confins da Ásia. Ali, muitas vezes em contexto islâmico, os Missionários – de acordo com o P. Peter Mathew – investem numa evangelização que não esquece os hospitais, as prisões e o desenvolvimento dos mais vulneráveis.
O P. Pedro Fernandes partilhou a missão que se faz em Portugal, quer através da presença em paróquias, quer na animação missionária e espiritual que se faz com jovens e adultos, sem esquecer o trabalho com imigrantes, reclusos, idosos e doentes. E, sobretudo, insistiu na força da Missão que se faz fora de portas com os missionários enviados e os apoios a projectos de pastoral e de desenvolvimento.
O P. Canice Njoku apresentou a missão espiritana em Porto Rico e na República Dominicana, apoiando os mais pobres e excluídos destes países das Caraíbas que apostam tudo – ou quase – no turismo.
A África do Sul ainda vive as fracturas criadas pelo apartheid e continua gritante o fosso entre ricos e pobres, gerador de ondas de violência quase incontroláveis. É lá – disse o P. Peter Sodje – que a Missão Espiritana se compromete.
O P. Sean O’Leary veio do oriente da Ásia para partilhar os desafios a que os Espiritanos respondem em três países muito diferentes. Em Taiwan, a aposta vai para as paróquias, a universidade e a pastoral prisional. No Vietname, o grande desafio é a formação dos futuros missionários. Na Índia, onde obter um visto é quase missão impossível, quer-se ir mais longe na evangelização e apoio aos que a sociedade despreza e desconsidera.
Finalmente, no Zimbabwe, os Espiritanos têm sofrido na pele os dramas de um povo economicamente arrasado e socialmente dividido. Vivem em comunidades internacionais e colaboram muito com a Igreja local.
O irmão Carmo esteve presente, para um serviço administrativo, no encontro de novos superiores provinciais em 2020 e partilha algumas imagens de Roma.
A Missão é dEle
Se fosse possível resumir o que foi dito nestes dias em Roma, apontaria para duas curtas conclusões: a Missão é enorme para as forças disponíveis; a Fé e a Confiança em Deus vai ajudar a deitar abaixo todas as barreiras e limites.
A Missão é do Espírito Santo. Ele vai assegurar o futuro!