21º Domingo do Tempo Comum
S. Lucas, intencionalmente, não nos dá a identificação de quem fez a Jesus a pergunta sobre o número daqueles que se salvam, embora se trate de uma curiosidade que a todos intriga. De facto, seria mais cómodo para todos nós sabermos se pertenceríamos ao lote dos eleitos ou dos rejeitados, pois, a partir daí, só teríamos que nos resignar com o nosso destino.
Por isso, Cristo não satisfez a curiosidade de quem o interpelou, nem a nossa, mas a todos encaminha para o que realmente é importante: o empenho que cada um de nós deve pôr para atravessarmos a passagem, essa, sim, realmente estreita, que dá acesso ao Reino dos Céus.
Aliás, a questão tem muito mais a ver com cada um e cada uma de nós do que com Deus, pois no seu coração há lugar para todos os seus filhos: “hão de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul”. Já através do profeta Isaías o Senhor tinha afirmado: “virei reunir todas as nações e todas as línguas, para que venham contemplar a minha glória”.
Por isso, a verdadeira questão não reside na possível falta de espaço, mas nas condições de acessibilidade, e estas têm a ver todos nós: aceitar percorrê-las ou não! E, aqui, Jesus é bem claro: há muita bagagem que não passará neste ‘controle’ fron-teiriço, já que se trata de passagem é estreita.
Perante isto, ficamos a saber, com toda a certeza, que há bagagens que, garantidamente, não passam neste controle. Entre elas, a altivez do orgulho, com o seu o role de comendas, títulos e cargos; os cifrões das contas bancárias ou os cartões Multibanco, por mais ‘golden’ que eles sejam – “é mais fácil passar um camelo pelo fundo duma agulha do que um rico salvar-se”; igualmente, e com toda a evidência, a prática do mal: “afastai-vos de mim todos os que praticais a iniquidade”.
Mas, curiosamente, o evangelista aponta um outro género de credenciais que também não garantem acesso ao Reino dos Céus, a saber: a simples prática religiosa e sacramental – “comemos e bebemos contigo; ensinaste nas nossas praças” – não dá, só por si, garantia de acesso! E S. Mateus ainda vai mais longe: nem tão pouco o fazer milagres é garantia absoluta (cf. Mt. 7,22)!
O caminho mais seguro para acertarmos com a porta estreita já nos foi indicado através do profeta Miquéias: “já te foi indicado, ó homem, o que deves fazer, o que o Senhor exige de ti: praticar a justiça e amar a misericórdia, e ser humilde diante de Deus” (Miq. 6, 8).
E este caminho leva-nos necessariamente ao encontro dos nossos irmãos: “Ide por todo o mundo e anunciai a boa nova”. É o caminho da missão, ao perto e ao longe! De facto, com que ‘cara’ nos vamos apresentar diante de Deus se, sabendo que a sua vontade é que todos se salvem, não fizermos nada por isso? Com razão, Paulo VI, na ‘Evangelii Nuntiandi’, escrevia: “os homens poderão salvar-se por outras vias, graças à misericórdia de Deus, se nós não lhes anunciarmos o Evangelho; mas nós, poder-nos-emos salvar se, por negligência, por medo ou por vergonha ou por eles seguirem ideias falsas, deixarmos de o anunciar? Isso seria, com efeito, trair o apelo de Deus…” (E. N. nº 80).
Por isso, a repreensão de que fala o texto da Carta aos Hebreus pode ser encarada mais como correção de rota e de rumo do que simples castigo corporal ou físico. Perguntemo-nos então: que bagagem estou eu preparando para me apresentar no controle dessa passagem estreita? E não esqueçamos: trata-se de uma questão que não devemos adiar para amanhã, pois amanhã pode ser já tarde!