Domingo da Ascensão
É pela Ascensão que expressamos e celebramos a justa e merecida consagração de Cristo perante o desempenho cabal e fiel da missão que o Pai lhe confiara, ficando assim garantido para nós que Deus fará justiça, para recompensar o bem e punir o mal.
Este acontecimento da vida de Cristo, expresso pela ideia de movimento – ‘ir-ficar-partir’ são verbos que aparecem nos textos de hoje -, é de grande importância também para nós, sobretudo se enquadrado com a Ressurreição e o consequente envio do Espírito Santo. Com efeito, a ‘subida’ de Cristo para o Pai não é simples viagem de regresso, mas a proclamação de Cristo como Senhor do Universo, que, por isso mesmo, pode continuar e continua com os seus discípulos, os quais, por sua vez, partem em missão pelo mundo inteiro, começando por Jerusalém e passando pela Samaria, até aos confins da terra.
Também para cada um de nós, a caminhada para Deus em fidelidade – e que inclui a passagem pela morte – não nos afasta, nem separa dos homens, mas leva-nos a adotar em toda a nossa vida uma atitude de missão.
É também esta atitude de missão que deve caracterizar os Meios de Comunicação Social, para que se empenhem em transmitir “narrações construtivas, que solidificam os laços sociais e o tecido cultural”, em vez de produzir “histórias devastadoras e provocatórias, que corroem e rompem os fios frágeis da convivência”, pois estas não ajudam a “tecer a história humana, mas a despojar o homem da sua dignidade”. Com efeito, “o homem não é só o único ser que precisa de vestuário para cobrir a própria vulnerabilidade, mas também o único que tem necessidade de narrar-se a si mesmo”. Na verdade, “o homem é um ente narrador, porque em devir: descobre-se e enriquece-se com as tramas dos seus dias. Mas, desde o início, a nossa narração está ameaçada: na história, serpenteia o mal”.
Estas são algumas das afirmações do Papa Francisco na sua Mensagem para este Dia Mundial das Comunicações Sociais, centrada no tema “para que possas contar e fixar na memória”, recordando o versículo 2 do 10º capítulo do Êxodo, livro que é “narrativa bíblica fundamental que nos faz ver Deus a intervir na história do seu povo. Da memória de Deus brota a libertação da opressão, que se verifica através de sinais e prodígios”.
Com efeito, “numa época em que se revela cada vez mais sofisticada a falsificação, atingindo níveis exponenciais (o deepfake), precisamos de sapiência para patrocinar e criar narrações belas, verdadeiras e boas. Necessitamos de coragem para rejeitar as falsas e depravadas. Precisamos de paciência e discernimento para descobrirmos histórias que nos ajudem a não perder o fio, no meio das inúmeras lacerações de hoje; histórias que tragam à luz a verdade daquilo que somos, mesmo na heroicidade oculta do dia a dia”.
“A Sagrada Escritura é uma História de histórias. Quantas vicissitudes, povos, pessoas nos apresenta! Desde o início, mostra-nos um Deus que é simultaneamente criador e narrador: de facto, pronuncia a sua Palavra e as coisas existem. Deus, através deste seu narrar, chama à vida as coisas e, no apogeu, cria o homem e a mulher como seus livres interlocutores, geradores de história juntamente com Ele… Não nascemos perfeitos, mas necessitamos de ser constantemente “tecidos” e “recamados”. A vida foi-nos dada como convite a continuar a tecer a “maravilha estupenda” que somos. Neste sentido, a Bíblia é a grande história de amor entre Deus e a humanidade. No centro, está Jesus: a sua história leva à perfeição o amor de Deus pelo homem e, ao mesmo tempo, a história de amor do homem por Deus”.
“Nunca é inútil narrar a Deus a nossa história: ainda que permaneça inalterada a crónica dos factos, mudam o sentido e a perspetiva. Narrarmo-nos ao Senhor é entrar no seu olhar de amor compassivo por nós e pelos outros. A Ele podemos narrar as histórias que vivemos, levar as pessoas, confiar situações. Com Ele, podemos recompor o tecido da vida, cosendo as ruturas e os rasgões. Quanto nós, todos, precisamos disso!”
“Com o olhar do Narrador – o único que tem o ponto de vista final -, aproximamo-nos depois dos protagonistas, dos nossos irmãos e irmãs, atores juntamente connosco da história de hoje. Sim, porque ninguém é mero figurante no palco do mundo; a história de cada um está aberta a possibilidades de mudança. Mesmo quando narramos o mal, podemos aprender a deixar o espaço à redenção; podemos reconhecer, no meio do mal, também o dinamismo do bem e dar-lhe espaço”.
Por tudo isto, o seu convite final só podia ser este: “Confiemo-nos a uma Mulher que teceu a humanidade de Deus no seio e – diz o Evangelho – teceu conjuntamente tudo o que Lhe acontecia. De facto, a Virgem Maria tudo guardou, meditando-o no seu coração. Peçamos-Lhe ajuda a Ela, que soube desatar os nós da vida com a força suave do amor:
Ó Maria, mulher e mãe, Vós tecestes no seio a Palavra divina, Vós narrastes com a vossa vida as magníficas obras de Deus. Ouvi as nossas histórias, guardai-as no vosso coração e fazei vossas também as histórias que ninguém quer escutar. Ensinai-nos a reconhecer o fio bom que guia a história. Olhai o cúmulo de nós em que se emaranhou a nossa vida, paralisando a nossa memória.
Pelas vossas mãos delicadas, todos os nós podem ser desatados. Mulher do Espírito, Mãe da confiança, inspirai-nos também a nós. Ajudai-nos a construir histórias de paz, histórias de futuro. E indicai-nos o caminho para as per-corrermos juntos.