Papa Francisco
Dez anos em viagem por periferias e margens
Francisco chegou a Roma há dez anos com o passaporte de Jorge Bergoglio. E, quer queiramos quer não, está a fazer uma ’revolução imparável’ na Igreja, como tão bem o mostra o livro de António Marujo e Joaquim Franco. Ninguém é igual a ninguém, mas Francisco dá toques de enorme originalidade.
São dez anos de uma respiração eclesial diferente, com uma aposta clara na sinodalidade (como sinal de abertura à inspiração do Espírito) e no combate sem tréguas a tudo quanto desfigura o rosto da Igreja. Dá uma colaboração gigante na construção de uma Igreja credível, encurtando distâncias entre o dizer e o fazer. Está a provar ao mundo que a Igreja faz falta à humanidade, tentando acreditá-ladentro e fora de portas.
Estou deslumbrado com estas Quedas do Iguaçu, a sentir-me ensopado pela humidade que toma conta deste ar, mas, sobretudo, estou a rever na memória o filme ‘A Missão’ e a olhar para onde começa a Argentina do Papa Francisco. Este é um lugar ‘Laudato Si’, cheio de ‘Missão’, um espaço simbólico ideal para fazer o balanço de dez anos proféticos deste Papa que nos anima e mobiliza como Igreja.
Lufada de ar fresco
Francisco chegou a Roma há dez anos com o passaporte de Jorge Bergoglio. E, quer queiramos quer não, está a fazer uma ’revolução imparável’ na Igreja, como tão bem o mostra o livro de António Marujo e Joaquim Franco. Ninguém é igual a ninguém, mas Francisco dá toques de enorme originalidade. Nota-se uma lufada de ar fresco nos documentos pontifícios, nas escolhas de visitas, nas Assembleias Sinodais sobre a família, a Amazónia e os jovens, na ousada reforma da Cúria, nas entrevistas e outros escritos, nas linhas de combate aos abusos, na opção clara pelos migrantes, refugiados, perseguidos e outros descartados sem vez e sem voz, na sua visão sobre economia, política e sociedade contra a globalização da indiferença, nas opções de focagem pastoral, na valorização do ecumenismo e diálogo inter religioso, na simplicidade e alegria do seu ser e atuar.
São dez anos de uma respiração eclesial diferente, com uma aposta clara na sinodalidade (como sinal de abertura à inspiração do Espírito) e no combate sem tréguas a tudo quanto desfigura o rosto da Igreja. Dá uma colaboração gigante na construção de uma Igreja credível, encurtando distâncias entre o dizer e o fazer. Está a provar ao mundo que a Igreja faz falta à humanidade, tentando acreditá-ladentro e fora de portas.
Depois de João Paulo II, que realizou mais de uma centena de viagens apostólicas, Francisco é o papa que tem maior número de viagens. Apesar da idade e do seu problema em um dos joelhos, Francisco surpreendeu pelo número de visitas dentro e fora da Itália, sendo no entanto o primeiro papa da história recente a não visitar seu país natal, a Argentina.
O Papa Francisco já visitou todos os continentes habitáveis, com exceção da Oceania. Na sua visita às Filipinas em janeiro de 2015 reuniu cerca de seis milhões de fiéis, tornando-se o maior evento da história do papado em número de pessoas.
Viagens cirúrgicas
Paulo VI ousou sair de Itália, João Paulo II universalizou estas Viagens Apostólicas, Bento XVI deu continuidade e o Papa Francisco já lá vai com 39 saídas ao encontro das periferias e das margens da história. As suas opções de voo dão corpo ao ‘primeirear’ de que fala na ‘Alegria do Evangelho’, o seu primeiro programa de Missão. O diálogo e a fraternidade são os grandes caminhos universais para a paz e a justiça. Só assim se podem compreender viagens ao Bahrein, ao Cazaquistão, à Tailândia, ao Iraque, ao Japão, a Marrocos, aos Emiratos Árabes Unidos, a Myanmar, ao Bangladesh, ao Egipto, à Geórgia, ao Azerbaijão, ao Sri Lanka, à Terra Santa e à Turquia. Só mesmo a aposta no diálogo entre povos, culturas e religiões pode justificar tais visitas que mostram que, para o Papa Francisco, o mundo é um espaço sem fronteiras e a fraternidade é uma palavra chave.
A força dos documentos pontifícios
O Papa Francisco tem ajudado o mundo e a Igreja e olhar para a Alegria do Evangelho, a Alegria do Amor, a Alegria da Ecologia, a Alegria das bem-Aventuranças… Há uma convicção profunda de que sem justiça não há felicidade. ‘A Alegria do Evangelho’ (2013) foi recebida, na Igreja e fora dela, como algo de muito original, se atendermos ao facto de ser um documento programático, como Exortação Apostólica que é. É nova nos conteúdos, nas focagens e no estilo. Põe a nu uma série de ‘ladrões’ que é urgente combater! Diz: ‘Não deixemos que nos roubem a alegria da Evangelização (nº83); Não deixemos que nos roubem a esperança (nº86); Não deixemos que nos roubem a comunidade (nº92); Não deixemos que nos roubem o Evangelho (nº97); Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno (nº101); Não deixemos que nos roubem a força missionária (nº109)’.
É preciso combater, de alma e coração, quem nos faz estes ‘assaltos’! ‘Primeirear’, ou seja, ‘tomar a iniciativa’ deve ser uma das imagens de marca dos missionários hoje (nº24). Nós somos convidados por Francisco (e, antes dele, por Cristo) a sermos ‘Igreja em saída’, na rua, a partilhar a sorte a má sorte de todos, sobretudo dos pobres, mesmo sujando as mãos (nº20).
Ecologia Integral e Fraternidade Universal
Na ‘Laudato Si’ (2015), documento social do Papa Francisco, é apresentado o conceito de ‘ecologia integral’, pois há que amar os pobres e respeitar a natureza, a nossa casa comum. Tudo está interligado, estamos na mesma barca a enfrentar a mesma tempestade e, ou nos salvamos juntos, ou morremos todos afogados. O filme ‘A Carta’, recentemente realizado, mostra os efeitos dramáticos das alterações climáticas na vidas dos mais pobres e faz um apelo a uma conversão ecológica global, combatendo a poluição, ajudando os mais frágeis e escolhendo um estilo de vida mais simples e mais fraterno.
A ‘Fratelli Tutti’ (2020) resulta da convicção profunda do Papa Francisco sobre a importância decisiva da Fraternidade Humana, depois de ter assinado o documento de Abu Dhabi.
O futuro no planeta jovem
Vindo dum continente muito jovem, mas onde os jovens têm o futuro seriamente comprometido, é normal a sua opção clara pelas novas gerações. Nas Jornadas Mundiais da Juventude 2016 (Cracóvia), o Papa pediu aos jovens que abandonassem o comodismo fácil do sofá. Disse: ‘Este tempo aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar para suplentes. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca’.
Em Lisboa, as JMJ pretendem ser as mais ecológicas de sempre e, para tal, existe o simbólico gabinete ‘Diálogo / Proximidade’, com o objetivo claro de ajudar toda a organização a assegurar que as JMJ aplicam os valores gravados na ‘Laudato Si’ e na ‘Fratelli Tutti’.
Gestos que apontam para o futuro
Lavar os pés a reclusas, viver em Santa Marta, deslocar-se num carro simples, rezar sozinho à chuva pelo fim da pandemia, fazer a primeira viagem a Lampedusa para chorar aqueles por quem ninguém chora, beijar os pés dos líderes desavindos do Sudão do Sul, deixar-se entrevistar, aprofundar os encontros de Assis, gritar que a guerra é sempre uma derrota para a humanidade, apostar numa educação e numa economia que não matem, chorar na oração pelas vítimas na Ucrânia… fazem dele um homem sem medo de expor o peito às balas, vindas de fora ou de dentro da Igreja.
O futuro da Igreja e da humanidade está na sinodalidade, este caminhar juntos, em atitude de escuta e diálogo aberto, na mesma direção, empurrados e inspirados pelo Espírito Santo que sopra quando quer, como quer e onde quer. Por isso, todos os tempos, lugares e pessoas são decisivos para a construção do mundo e da Igreja do amanhã.