Aconteceu também noutros lugares, garantem escritos antigos. Mas o caso que me traz aqui passou-se na cozinha. Ninguém sabe dizer ao certo quem começou com a discussão, só ficou registado que os equipamentos e utensílios se envolveram numa disputa acerca de quem devia ocupar a chefia daquela república da cozinha.
O fogão valeu-se do seu peso e importância para reivindicar o título de chefe. “É evidente que aqui sou o equipamento com mais importância, se eu não estivesse aqui, isto nem o nome de cozinha merecia”. Mas logo os taparueres, que andavam sempre a fugir do fogão para não se queimarem, protestaram: “Tu não, ninguém se pode aproximar de ti sem se queimar”. Então a faca candidatou-se, ela que era tão útil e não estava presa a um lugar como o fogão. Mas aí os protestos foram generalizados: “Tu?!! Com uma língua afiada dessas?! Estás sempre a cortar a direito, a separar, nós precisamos é de alguém que una, não de quem divida”. Quando o frigorífico tentou argumentar as suas qualidades, saltaram-lhe as objeções: “És muito frio, quando abres a porta só saem palavras geladas, quem quer um chefe assim?” A balança, que se achava tão equilibrada, modestamente avançou para a chefia. Mas nem se sentou no lugar: “Tu tens a mania da superioridade, sempre a avaliar os outros, como se fosses superior a todos. Um chefe tem de ser compreensivo, não ter os rigores que tu tens.”
Foi então que o cozinheiro entrou na cozinha. Abriu o frigorífico, tirou o que precisou, pegou na faca e cortou, com a balança pesou, acendeu o fogão, usou as panelas e cozinhou. Depois que terminou a refeição retirou-se. Os habitantes da cozinha iam recomeçar a discussão sobre quem devia ser chefe, quando o relógio da parede, que calado observava tudo, falou: “Vós não aprendestes a lição que o cozinheiro acabou de nos dar? Ele serviu-se das qualidades de cada um e preparou uma bela refeição. Nós só olhamos para os defeitos dos outros, e o resultado são discussões e nada se constrói”.
Tenho para mim que aquele cozinheiro era Deus, mas isso digo eu, que de cozinha não percebo nada.
O caso que me traz aqui passou-se na cozinha. Ninguém sabe dizer ao certo quem começou com a discussão, só ficou registado que os equipamentos e utensílios se envolveram numa disputa acerca de quem devia ocupar a chefia daquela república da cozinha.
“Crónica” é uma rubrica mensal do jornal “Ação Missionária“, pelo P. Aristides Neiva
Caro Sr Padre Aristides
Como é hábito, li com interesse e atenção este seu novo post.
À primeira vista distraída, até me pareceu que Deus se esquecera de alguém…
Mas não, discretamente, acho que guardou um pouco da sua refeição nos tupperwares, e voltou a pô-los no frigorífico.
Nunca se sabe se aqueles que aparecem fora de horas vêm com fome e precisam de aquecer o estômago e não só …
Abraço amigo
Manuel MB
Adoro as suas cronicas