O tráfico humano deve ser uma das atividades mais rentáveis do mundo. E é quase tão antigo como o aparecimento dos humanos sobre a face da terra. Os livros mais ancestrais que chegaram até nós apresentam a escravatura como prática habitual e socialmente reconhecida. Nem os impérios romano e grego, tidos por muito evoluídos, escaparam à onda do tráfico humano. A Bíblia apresenta os filhos de Jacob a vender o seu irmão José a uma coluna de comerciantes que iam para o Egipto.
A escravatura ganharia uma dimensão mais planetária quando os navegadores europeus chegaram a África e às Américas. O tráfico de africanos e de índios atingiria desumanidade e níveis numéricos de arrasar a consciência da humanidade. E era tudo legal e altamente rentável, pelo que os governos o estimulavam.
Tive a possibilidade de, nos últimos meses, visitar a Ilha de Zanzibar e a Ilha de Goreia. Uma na costa oriental de África e outra na nossa costa ocidental. Ambas as Ilhas são património da humanidade por más razões: foram os maiores entrepostos de tráficos de escravos durante vários séculos. Neste ‘negócio humano’ todos saiam a perder, pois quer os ‘vendedores’ quer os ‘compradores’ quer os ‘comprados’ viam a sua dignidade espezinhada. Visitar as Casas dos Escravos nestas Ilhas, ambas transformadas em museus, faz apertar o coração e perguntar como se pôde chegar a isto.
Mas… a escravatura foi legalmente abolida no século XIX, embora o tráfico humano continue e em grande a ser praticado por esse mundo além. Hoje está muito mediatizado o tráfico que se faz na África mediterrânica, com tantos barcos postos a navegar, carregados de gente, para que cheguem à costa europeia. E sabemos que este é um negócio humano altamente rentável para os traficantes, embora faça do mar um cemitério e gere ondas enormes de migrantes e refugiados que a Europa começa a não querer nem poder acolher com dignidade.
Mas há mais: desde há muito que, sobretudo crianças, meninas e mulheres são traficadas para fins laborais, sobretudo, exploração sexual. Estes dias, fiquei surpreendido com o Prémio que a Irmã Gabriella Bottani, que vive na comunidade Comboniana aqui ao lado da minha, recebeu em Washington: foi o Prémio TIP Report Hero, atribuído anualmente a uma pessoa que se dedica heroicamente contra o tráfico humano no mundo. Ora, a Irmã Gabriella preside à Rede Mundial da Vida Consagrada contra o Tráfico Humano, chamada ‘Talitha Kum’. No fim de uma das Missas cá em casa, convidei-a para um café e conversamos longamente sobre o trabalho discreto, mas fantástico, que esta Rede faz em Roma e em diversas outras cidades do mundo. Recordou-me partes do seu discurso em Washington onde ela pediu aos governos de todo o mundo que combatam com eficácia o tráfico de seres humanos que faz render milhões aos traficantes e esmaga a dignidade dos traficados.
O compromisso por mais dignidade e respeito pelos direitos das pessoas continua a ser de enorme exigência e atualidade. Não cruzemos os braços nem calemos as vozes.