A visita do Papa Francisco ao Chipre e à Grécia (2 a 6 de dezembro) foi uma peregrinação às fontes da cultura e da fraternidade humana. O Papa foi um construtor de pontes, peregrino da unidade em países onde a Ortodoxia é mais expressiva. A cultura e a civilização gregas mudaram a história do mundo, marcando-a profundamente. A Grécia e o Chipre são portas da Ásia, mas também ficam ligadas à África através do Mediterrânio. E a Ilha de Lesbos é um dos grandes símbolos da tragédia humana que as deslocações de migrantes estão a provocar.
Chipre, Ilha com muro
O Papa aterrou na Ilha de Chipre, a 2 de dezembro. Sabia que ia encontrar um país dividido entre os cipriotas gregos e turcos. Apenas 4% são católicos, apesar dos compromissos fortes em saúde e educação. Aos agentes da pastoral, o Papa agradeceu ‘pelo trabalho educativo que realizam na escola, muito frequentada pelas crianças da Ilha, lugar de encontro, de diálogo, de aprendizagem da arte de construir pontes’. Às autoridades elogiou o facto da Ilha ser ‘uma porta aberta, um porto que une: Chipre, encruzilhada de civilizações, traz em si a vocação inata ao encontro, favorecida pelo caráter acolhedor dos cipriotas’.
A Ilha também faz parte da história inicial do Cristianismo: ‘Referindo-se a Chipre, os Actos dos Apóstolos contam que Paulo e Barnabé «percorreram toda a ilha até Pafos» (13, 6). Para mim, é uma alegria atravessar nestes dias a história e a alma desta terra, com a esperança que o seu anseio de unidade e a sua mensagem de beleza lhe continuem a guiar o caminho’.
Mas, com graves problemas internos (o Papa disse na celebração com imigrantes: ‘estou a ver o muro, ali, pela porta aberta da igreja!’), o país precisa de uma urgente reconciliação. Pediu o Papa: ‘Chipre, encruzilhada geográfica, histórica, cultural e religiosa, tem esta posição para implementar uma ação de paz. Seja um estaleiro aberto de paz no Mediterrâneo’.
Arte de acolher
Na Catedral Ortodoxa, o Papa Francisco pediu desculpa por violências do passado e agradeceu o diálogo e o espírito ecuménico do presente. Emocionante foi a oração Ecuménica com pessoas migrantes, onde atacou a cultura da indiferença e do arame farpado’: ‘Vós chegastes aqui; mas quantos dos vossos irmãos e irmãs ficaram pelo caminho? Quantos desesperados começaram o caminho em condições muito difíceis, mesmo precárias, e não conseguiram chegar? Deste mar, podemos dizer que se tornou um grande cemitério. Olhando-vos, vejo os sofrimentos do caminho, tantos que foram raptados, vendidos, explorados…, ainda estão pelo caminho sem sabermos onde. É a história duma escravidão, uma escravidão universal. Nós vemos o que acontece, e o pior é que estamos a habituar-nos a isso’. Os media difundiram muito o momento de encontro do Papa com uma mãe cuja criança nasceu num barco.
Grécia, berço de civilização
A Grécia, berço de uma das civilizações mais marcantes da história e da cultura, é um país de maioria Ortodoxa. Ali os católicos representam 1% da população.
O Papa Francisco pisou Atenas 20 anos depois de João Paulo II. No discurso às autoridades e ao povo, o Papa definiu a Grécia como terra onde abundam a espiritualidade, a cultura e a civilização: ‘sem Atenas e sem a Grécia, a Europa e o mundo não seriam o que são; seriam menos sábios e menos felizes’. Recordou que os Evangelhos foram escritos em grego e que, em Atenas, ‘o olhar, além de ser impelido para o Alto, é-o também para o outro’, pois é uma cidade ‘ponte entre os povos’, berço da democracia. Esta está em crise na Europa e noutras partes do mundo, dando lugar a populismos e autoritarismos. Há que investir mais na boa política que convida à participação de todos como ‘arte do bem comum’, que presta uma atenção especial aos mais frágeis. Citando o Juramento de Hipócrates, feito pelos médicos, o Papa pediu respeito por todas as vidas e alertou para os custos humanos da covid 19, pandemia que mostrou ao mundo que todos são frágeis e necessitados uns dos outros.
Os gritos das oliveiras
Ao olhar as oliveiras que enchem a paisagem, o Papa fez um apelo à prática de uma ecologia integral que ame os pobres e defenda a terra das alterações climáticas. Citando Homero, condenou os que dizem uma coisa e fazem outra. O Papa repetiu o pedido para um acolhimento fraterno e humano aos refugiados que ali chegam em grande número: ‘segundo as possibilidades de cada país, sejam acolhidos, protegidos, promovidos e integrados em pleno respeito dos seus direitos humanos e da sua dignidade’. Sendo árvores de longevidade, as oliveiras, neste berço da civilização, chamam a atenção para a conservação de raízes fortes, valorizando a importância da memória e da história.
O futuro do ecumenismo
O diálogo ecuménico, num país de maioria absoluta Ortodoxa, foi tema central, marcado por dois encontros entre o Patriarca Jerónimo II e o Papa Francisco, primeiro no Arcebispado Ortodoxo da Grécia e, depois, na Nunciatura Apostólica. Sem ter medo de pôr dedos em feridas da história, disse o Papa: ‘venenos mundanos contaminaram-nos, a cizânia da suspeita aumentou a distância e deixamos de cultivar a comunhão’. Por isso, o Papa pediu perdão pelas culpas das Igreja Católica na divisão entre os cristãos. Há-de ser o Espírito a gerar a comunhão, segundo o modelo da Santíssima Trindade. O Espírito é ‘azeite de comunhão, de sabedoria e de consolação’. As Igrejas não podem ficar paralisadas pelas ‘coisas negativas e preconceitos de outrora, mas a olhar a realidade com olhos novos’.
Igreja, grão de mostarda
O Papa Francisco encontrou responsáveis católicos na Catedral de S. Dionísio, em Atenas, onde escutou testemunhos em primeira pessoa. Definiu a Grécia como um laboratório para a inculturação da fé e reflectiu a partir do texto da intervenção de Paulo no areópago de Atenas, onde ele teve que responder às perguntas difíceis e aos ataques dos intelectuais presentes. Viveu uma situação incómoda igual à de todas as minorias e à de quem anuncia o Evangelho em contextos de perseguição ou indiferença. Há que confiar na presença actuante do Espírito e olhar para a parábola do grão de mostarda que fornece uma grande lição de vida e apela à persistência e à confiança em Deus. É preciso aceitar ser minoria sem ser insignificante.
Os refugiados de Lesbos
O momento mais simbólico foi a visita, repetida cinco anos depois, à Ilha de Lesbos onde se encontram milhares de refugiados, com o sonho de viver na Europa. O Papa confessou que pouca coisa mudou. No Centro de Acolhimento de Mitilene, saudou muitas pessoas, prometendo continuar a luta para ajudar a resolver este drama. Disse: ‘Sim, a emigração é um problema mundial, uma crise humanitária que diz respeito a todos’. O mundo está muito preocupado com a pandemia, menos com as alterações climáticas e muito pouco com as migrações. Afirmou: ‘os vossos rostos, os vossos olhos pedem-nos para não vos virarmos as costas, não renegarmos a humanidade que nos irmana, para assumirmos as vossas histórias e não esquecermos os vossos dramas’. É urgente que ‘superemos a paralisia do medo e a indiferença que mata’. Agradeceu às populações locais e às autoridades o esforço no apoio a quem ali chega sem nada. Condenou o uso de meios financeiros para construir muros e arame farpado (evocando sempre razões de segurança e soberania!) em vez de os aplicar no apoio às pessoas. O Mar que uniu os povos está a tornar-se um imenso cemitério. É urgente parar ‘este naufrágio de civilização’. É preciso trabalhar ao estilo de Deus: ‘proximidade, compaixão e ternura’.
A Missão do ‘faz-te ao largo!’
Na Eucaristia (que vem de uma palavra grega), o Papa apresentou a corajosa figura de João Baptista que prega no deserto, lugar árido e perigoso, a conversão: ‘com Deus, as coisas mudam, Ele cura os nossos medos, sara as nossas feridas, transforma os lugares áridos em nascente de água’.
O Papa escutou testemunhos de jovens e apelou a um caminho de fé que não se deixe encantar pelas ‘sereias de hoje’ nem tenha medo das dúvidas, mas que viva sempre na atenção e reação ao ‘espanto’, que está na origem da Filosofia e no início do diálogo com Deus, que nos convida a abandonar o sofá, a fazer-se ao mar, e a servir os outros.