De 12 a 15 de abril, realizou-se em Fátima um simpósio com o tema “O significado da globalização para a Igreja e as culturas na Europa e em África” que reuniu responsáveis católicos dos dois continentes. D. Gabriel Mbilingi, espiritano, arcebispo do Lubango (Angola) e presidente do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (SECAM), deixa aos nossos leitores alguns ecos do encontro.
Fenómeno ambivalente
“A globalização é um processo dinâmico e polivalente, que toca todos os âmbitos da vida, seja individual, familiar ou social. Ela atinge a economia, a política, as culturas, e até mesmo a religião.
Dizíamos na reunião que é um fenómeno ambivalente porque, por um lado, oferece solidariedade entre nações e povos: graças à evolução da tecnologia, nós podemos estar a par com aquilo que acontece em qualquer lugar. Se um evento exige que nos mobilizemos para a solidariedade ou para a justiça e paz, isso pode-se fazer imediatamente, o que não acontecia antigamente. A globalização pode favorecer a partilha das riquezas, não só espirituais, mas também materiais. Pode ajudar a que se propaguem mais rapidamente as ideias mais nobres e construtivas. Este é o lado positivo.
Depois tem o outro lado. Quando é marcada pelo pecado, como acontece nos nossos dias, com o afastamento de Deus e consequentemente o afastamento dos irmãos e dos objetivos da criação, ela tende a provocar um profundo abismo entre ricos e pobres, entre poderosos e pessoas mais frágeis. Assim, acaba por reforçar a luta pelo poder, pela exploração crescente, pelo hedonismo. Neste sentido, destrói a herança da cultura, da espiritualidade, que devem marcar a sociedade inteira, pois destrói na base as raízes em que se fundamenta a existência humana. Basta vermos o que acontece com a vida e os inúmeros atentados que lhe são feitos.
Desafios para a Igreja em África
Em África, a realidade mais ameaçada é a família. A globalização vai introduzindo cada vez mais a distorção da própria noção de matrimónio, a desvalorização da maternidade, a banalização do aborto, a facilitação do divórcio e mesmo o relativismo de uma nova ética.
Na mesma linha, outro valor que se coloca em causa é o da veneração e do respeito, que em África, de uma maneira geral, se reserva aos idosos. Havia uma certa estabilidade da ordem social que estava apoiada nesta ideia de que o velho não é alguém para descartar, mas alguém que deveríamos ouvir, de cuja experiência de vida deveríamos beber, e de cuja sabedoria deveríamos tirar lições para vivermos o nosso hoje e a relação com o amanhã.
Temos também a questão da mulher. Seria importante que pudéssemos, enquanto cristãos, combater, denunciar e condenar os atos de violência contra a mulher.
Tem um lugar muito importante hoje, na globalização, a questão dos jovens, sempre ligada à família. No continente africano, os jovens representam uma força, uma energia, um poder que talvez não estamos a valorizar para o futuro da sociedade e da própria Igreja. Mas é uma juventude que é acrítica, porque não tem formação suficiente. Consome o que a globalização oferece, sem se precaver dos perigos que põe em risco o seu futuro e o da humanidade.
Outro campo importante na nossa ação são as crianças, que nós vemos como dom de Deus e fonte de esperança e renovação. Mas a globalização leva a casos intoleráveis como por exemplo os meninos soldados, os meninos feitos prisioneiros, as crianças com deficiência maltratadas, exploradas sexualmente, acusadas de bruxaria…
Mas no centro de tudo está o colocar a globalização em relação à vida… o aborto, droga, alcoolismo… A Igreja, na sua ação evangelizadora, está na primeira linha no combate às pandemias, como a malária, tuberculose e a SIDA, que requer, na nossa ação evangelizadora, uma resposta médica, mas sobretudo uma resposta ética.
Esses são os desafios que achamos devem estar no centro da nossa ação evangelizadora e que devemos enfrentar com muita força. E também sabemos hoje que a multiplicação dos conflitos, especialmente no nosso continente, têm na globalização a sua origem principal. Porque a globalização, sobretudo da economia e da política, faz com que determinadas situações que se poderiam resolver de maneira rápida e eficaz, se arrastem por causa dos interesses económicos, financeiros e políticos daqueles que querem permanecer no poder.
Assim, diria que há frutos amargos da globalização, que, no fundo acabam por afogar os aspetos positivos.
Uma Igreja global
Este olhar o mundo como uma aldeia global, nós já temos a noção como Igreja Católica. Nós deveríamos servir-nos dos meios que a globalização hoje oferece, especialmente no campo da comunicação social para difundirmos para todo o mundo esses valores, da fraternidade, da solidariedade, da busca da paz, da busca de um amor que viva como dom, como entrega à maneira de Jesus Cristo e com a força do seu Espírito.
A globalização é um sinal dos tempos. É incontornável como fenómeno, como processo, mas devemos tirar deste processo aquilo que serve para a globalização do amor, para a globalização do bem.”
Entrevista Angelus TV – 18 de Abril 2018