29º Domingo do Tempo Comum
O autor do livro da Profecia de Isaías emprega, no texto que neste domingo serve de primeira leitura, um termo no qual é quase impossível não tropeçar: “aprouve [ao Senhor]”. Em toda a Bíblia, ele só é usado mais seis vezes e em nenhuma passagem aponta para ‘gosto’ ou ‘gozo’, como parece sugerir a sua origem etimológica (a-prazer).
Bem ao contrário, sugerindo uma decisão tomada por Deus, após longa reflexão, como sendo a mais conveniente para nós, o autor faz-nos mergulhar num dos mistérios mais profundos da nossa fé: o sofrimento – “aprouve ao Senhor esmagar o seu servo no sofrimento”. De facto, custa-nos muito a admitir e a perceber o papel de um Deus, que proclamamos como pai bom, no sofrimento de cada um de nós, seus filhos.
Também o termo ‘esmagar’ pode indiciar um sentimento de capricho, de prepotência ou de vingança, bem diferente do que realmente expressa – a intensidade dos sofrimentos por que passou o Servo de Javé -, mas que não o aniquilam, porque Ele ofereceu “a sua vida como sacrifício de expiação” e, “terminados os sofrimentos, verá a luz e será saciado”. O seu sofrimento, acolhido por fidelidade ao projeto de Deus e por amor a cada um de nós, é gerador de vida e de luz, à semelhança do que acontece com as dores do parto: “justificará a muitos”.
Assim, nos textos deste domingo, são confrontadas duas lógicas: a do poder e a do serviço. Daquela resulta sofrimento imposto aos outros, através de prepotências, exploração, destruição, aniquilamento. Ao contrário, na lógica evangélica do serviço, o sofrimento, encarado com amor, torna-se fonte de realização para o próprio e de vida para os outros. É esta a lógica que Cristo faz sua e para ela nos encaminha quando afirma que “se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas, se morre, produz muito fruto”.
Por isso, só fazendo nossa a lógica do Evangelho é que nós, como Cristo e com Ele, poderemos ser missionários, antes de mais com a nossa própria vida – “todos são chamados a anunciar o Evangelho pelo testemunho da vida” -, à qual sofrimentos não faltam: precisamos apenas de saber transformá-los, pelo amor, em fonte de vida e de redenção.
Com razão o papa Francisco nos recordava que “quando nos detemos em oração, diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza do seu amor, que nos dignifica e sustenta e, simultaneamente, apercebemo-nos de que aquele amor, saído do seu coração trespassado, estende-se a todo o povo de Deus e à humanidade inteira; e, precisamente deste modo, sentimos também que Ele quer servir-se de nós para chegar cada vez mais perto do seu povo amado e de todos aqueles que O procuram de coração sincero”.
Por isso, “a missão é uma paixão por Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, uma paixão pelas pessoas”, que se rege pela sabedoria do serviço e não do poder. Seja esta também a nossa escolha!