A 13 de junho de 2017, Dia de S. António, o ‘Patrono dos Pobres’, o papa Francisco surpreendeu o Igreja com uma Mensagem que criava o Dia Mundial dos Pobres. O nosso Santo dava o tom: ‘Não amemos com palavras, mas com obras!’. Daí para cá, ano após ano, sempre no Domingo que antecede a Solenidade de Cristo Rei, celebramos esta Jornada Mundial, com a firme convicção de que os pobres nos conduzem ao coração do Evangelho.
Neste 2023, o tema ‘Nunca afastes de algum pobre o teu olhar’ (Tobite 4,7), o Papa evoca os 60 anos do grande documento social do Papa João XXIII, ‘Pacem in terris’ (‘Paz na Terra’), uma encíclica onde está escrito de forma clara que todas as pessoas têm o direito a reunir as condições mínimas, mas necessárias, para viver com dignidade.
Rita Valadas, Presidente da Caritas portuguesa, foi clara: ‘O Papa tem vindo a falar muito sobre a transparência dos pobres que tem a ver com a questão do olhar e do ver. Tens de sacudir a tua indiferença, participar e tomar iniciativas que confirmem que os pobres estão entre nós. E nós somos responsáveis também por melhorar a vida dessas pessoas a todos os níveis, desde a nossa intervenção pessoal até à legislação e ao compromisso político’. E lançaria um alerta: ‘Tentação insidiosa é também parar nas estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles’.
O Vaticano continua a preocupar-se com os mais pobres, sobretudo os sem–abrigo que são apoiados diariamente. E, nesta semana, especial e simbólica, voltou a funcionar, na Praça de S. Pedro, um centro de saúde móvel, criado há sete anos, por vontade expressa do Papa. Tem o nome de ‘Ambulatorio Madre di Misericórdia’ e oferece consultas de medicina geral e especializada, bem como exames vários, análises e vacinas. Um exclusivo para pessoas comprovadamente pobres e, por isso, sem meios para recorrer a hospitais ou clínicas.
O nosso povo, de forma proverbial, diz: ‘quem quer vai, quem não quer manda!’. Talvez se possa aqui aplicar o provérbio, pois o Papa Francisco, no Dia Mundial dos Pobres, vai sempre presidir à Eucaristia Dominical, mostrando ao mundo e à Igreja quanto esta Jornada é importante no seu calendário. Assim, a 19 de novembro, presidiu a uma solene concelebração, na Basílica de S. Pedro. Foi Missa de ‘casa cheia’, a abarrotar, para celebrarmos esta sétima edição de uma Jornada Mundial que nos convida a viver a pobreza evangélica, mas a combater a pobreza miserável, obrigando-nos a amar e a servir os mais pobres. Muitos dos convidados a esta Eucaristia – lia-se bem nos seus rostos – eram pessoas pobres, com marcas evidentes de vidas difíceis, mas consoladas e apoiadas, dia após dia, por instituições eclesiais solidárias que imprimem o Evangelho nas suas intervenções quotidianas junto daqueles que são descartados da sociedade, atirados para as periferias e margens de uma história que, muitas vezes, se torna cruel e desumana.
As homilias do Papa Francisco deixam-nos sempre inquietos, tal o nível de efervescência que as suas palavras e imagens provocam na mente e no coração de quem o escuta. Ouvi sem pestanejar nem me distrair com a beleza dos tectos e paredes laterais desta monumental Basílica. Faço alguns recortes: ‘Neste Dia Mundial dos Pobres, a parábola dos talentos nos recorda o espírito com que abordamos o caminho da vida. Nós, que recebemos tantos dons, devemos fazer um dom de nós mesmos pelos outros. A imagem usada na parábola é muito eloquente: se não multiplicarmos o amor à nossa volta, a vida extingue-se nas trevas’. Mais adiante, o Papa pediu: ‘Pensemos, então, nas muitas pobrezas materiais, culturais e espirituais do nosso mundo; pensemos nas existências feridas que habitam as nossas cidades, nos pobres que se tornaram invisíveis, cujo grito de dor é abafado pela indiferença geral de uma sociedade’. Disse, quase a terminar: ‘Pensemos nos oprimidos, nos cansados, nos marginalizados, nas vítimas das guerras e naqueles que deixam a sua terra arriscando a vida; naqueles que estão sem pão, sem trabalho e sem esperança. Tanta pobreza no quotidiano. E não são um, dois ou três: são uma multidão. Os pobres são uma multidão. E pensando nesta imensa multidão de pobres, a mensagem do Evangelho é clara: não enterremos os bens do Senhor! Façamos circular a caridade, partilhemos o nosso pão, multipliquemos o amor! A pobreza é um escândalo. A pobreza é um escândalo.’
No fim da Missa, como o tem feito há anos, o papa Francisco deslocou-se à Aula Paulo VI, para almoçar com algumas centenas de pobres, recrutados entre os muitos que são diariamente apoiados por instituições da Igreja. Com os descartados da nossa sociedade, a luta continua por um mundo mais fraterno. O Papa Francisco faz dos pobres os seus maiores aliados. E, por isso, quer vê-los reabilitados na sua dignidade e respeitados nos seus direitos.