Quem não sabe também não adivinha. Olhar um campo de linho e ver o tecido em que se vai transformar exige mais do que imaginação. Como diz a cantiga, “as voltas que o linho leva, / antes de ir à tecedeira, / também eu daria voltas, / para estar à tua beira.” Adiante… Lembrei-me do linho e das suas voltas no dia 21 de abril, em Castelo do Neiva, quando no final da assembleia da Liam de Viana do Castelo os participantes foram prendados com sementes de linho acompanhadas de uma frase. Sim, as voltas do linho e o que é preciso para chegar ao tecido são uma boa analogia do trabalho missionário.
É preciso trabalho. Aquilo não é colher e começar a usar, ou começar a comer. Depois de arrancado, e para trás já ficaram meses de trabalheira, o linho é ripado, depois é colocado na água e macerado, depois é enxaguado e seco, depois é maçado, depois é espadelado, depois é sedado, depois é fiado, depois é ensarilhado e meado, depois é corado e branqueado, só depois começa a arte da tecelagem e as suas fases. Transformar vegetal em tecido é um milagre, mas que dá muito trabalho.
É preciso tempo. Aquele depois… depois… não está à toa. Cada etapa prepara a seguinte, sem pressas nem desleixos, ou tudo se perde. É preciso gente, as voltas do linho não são para uma pessoa só, é um trabalho comunitário, de equipa. De alguma forma é uma tarefa solidária, ninguém enriquece com o linho. Já os antigos diziam: “Linho, focinho e bico nunca fizeram homem rico”.
É preciso saber. Saberes de agricultura e de tecelagem, de terra e de arte, conhecimentos vindos da natureza e outros nascidos da criatividade e inteligência humana.
É preciso humildade. Há milhares de anos que o linho é semeado e transformado em roupa, não foi descoberto agora. O saber do linho chega até nós por herança. Faraós no antigo Egito vestiram linho, o corpo de Jesus foi envolvido em panos de linho (Jo 19,40), gente humilde em todas as épocas vestiu linho. Mas é preciso humildade também porque nem tudo depende do trabalho humano, é necessário contar com a natureza e a sua imprevisibilidade, como tudo o que nasce da terra.
Logo nos primeiros tempos da Igreja quem era batizado deixava a roupa que trazia e vestia uma túnica nova, branca, representando Cristo. Compreende-se porque um bispo do século IV escreveu: “O Filho de Deus é uma veste, pois o apóstolo diz: «todos vós que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo» (Gal 3,27). Ó túnica sempre única e imutável, que se adapta tão bem a todos as idades e tamanhos, nem demasiado grande para os bebés, nem pequena demais para os adultos, e que não precisa de transformação para as mulheres!”
A frase que acompanhava as sementes de linho oferecidas em Castelo de Neiva dizia: “Missão: a colheita do amanhã depende da sementeira de hoje”. Sim, não adiante lamentar que anda tudo nu se não se semeou para vestir. É claro que não estou a falar de roupa.
Foto: Museu do Linho
As voltas do linho e o que é preciso para chegar ao tecido são uma boa analogia do trabalho missionário
“Crónica” é uma rubrica mensal do jornal “Ação Missionária“, pelo P. Aristides Neiva