No dia 18 de dezembro, na Igreja Paroquial de São Tomás de Aquino, o Ensemble São Tomás de Aquino realizou um concerto de Natal, inserido na Temporada de Música de São Tomás de Aquino. No ano em que decorria o centenário sobre o nascimento de Lucien Deiss, o Ensemble São Tomás de Aquino apresentou um programa que junta à voz de Deiss outras vozes, num amplo fresco espiritual, pintado com as cores da piedade mariana e do espírito do Advento e do Natal.
O padre Lucien Deiss, membro da Congregação do Espírito Santo, nasceu em Eschbach (Alsácia), no dia 2 de setembro de 1921, e faleceu no dia 9 de outubro de 2007. Enquanto compositor, é um dos ícones da renovação musical litúrgica, de impacto global, que precedeu, acompanhou e atualizou o reformismo do Concílio do Vaticano II.
Pôr em música a água viva das fontes bíblicas
Texto de Alfredo Teixeira
Agrupamento com uma continuada experiência de canto litúrgico, para além da sua atividade concertística, o Ensemble São Tomás de Aquino deixou-se entusiasmar pela ideia de homenagear um compositor-liturgista, no centenário do seu nascimento. O padre Lucien Deiss, membro da Congregação do Espírito Santo, nasceu em Eschbach (Alsácia), no dia 2 de setembro de 1921, e faleceu no dia 9 de outubro de 2007. Enquanto compositor, é um dos ícones da renovação musical litúrgica, de impacto global, que precedeu, acompanhou e atualizou o reformismo do Concílio do Vaticano II.
A família fixou-se em Estrasburgo quando tinha dez anos. Os seus primeiros interesses musicais remontam, seguindo a sua memória, a esse período: “O coro da paróquia era dirigido pelo Sr. Irr, profissional coadjuvado por três organistas. Na Sexta-Feira Santa, o coro cantava o “Stabat Mater” de Nanino. Nunca mais o esqueci. Gravei-o mais tarde com o meu coro de Chevilly”. A sua trajetória de formação e aproximação à Congregação do Espírito Santo começou com a admissão na Escola Saint-Florent de Saverne, percurso que culminou nos estudos teológicos realizados no Seminário Maior de Chevilly e em Roma.
A sua preparação musical foi apurada no Instituto de Música Sacra, em Roma: “Tive a sorte de ser aluno do mestre Ferrucio Vignanelli e de encontrar Dom Gregory Sunol, grande especialista no gregoriano”. Na sua memória guardava o som daquele órgão Merklin com três manuais, instalado na Igreja de S. Luís dos Franceses, que tocava na missa das onze horas aos domingos. Foi ordenado em 1945 e partiu, em 1947, para Brazzaville (Congo) para fundar, com outros colegas, o Seminário Libermann (nome de um dos fundadores da Congregação). Um problema de saúde fê-lo regressar a França, assumindo o cargo de professor de Sagrada Escritura no Seminário de Chevilly.
Lucien Deiss falava do seu despertar para a criação musical litúrgica sob o signo da contingência: “Tornei-me compositor quase por acaso. Na pequena paróquia do Bom Pastor quis que o coro cantasse gregoriano. Um fracasso! Observando quanto os meus paroquianos ignoravam a Bíblia, disse para comigo: porque não utilizar a música para memorizar os textos essenciais da Bíblia? Em vez das palavras de fogo dos profetas, propunha-se aos fiéis a água morna dos catecismos da época. Em vez dessa chuva de estrelas que são, no céu da revelação, os salmos, oferecia-se-lhes pequenas velas de devoção. Era necessário substituir a água do cântaro pela água viva das fontes bíblicas”.
Deiss tinha à sua frente um enorme desafio. De facto, a ação celebrativa católica romana privilegiava há muitos séculos o uso de uma língua litúrgica. Lucien Deiss foi, assim, um dos atores da reinvenção de uma memória respondendo, então, ao desafio da integração, com plena cidadania, das línguas dos povos na comunicação litúrgica das assembleias católicas.
O registo em vinil, e mais tarde em CD, de boa parte da sua obra permitiu uma fácil penetração fora de fronteiras – gravou perto de uma centena de discos em França e noutros países, que conheceram edições autorizadas da sua obra. A música de Deiss chegou a todos os continentes. Recriou ou acompanhou a edição da sua música litúrgica em diversas línguas – italiano, castelhano, alemão, inglês, mandarim etc. A sua música deu, literalmente a volta ao mundo. Os EUA revelaram um particular interesse pela música de Lucien Deiss. As duas primeiras recolhas publicadas venderam, cada uma, mais de um milhão de exemplares. Mais tarde algumas das edições ultrapassaram os cinco milhões de exemplares vendidos. Em 1992, nos EUA, foi-lhe atribuído o Prémio “Pastoral Musician of the Year”. O reconhecimento de quem descrevia assim o ofício do compositor na liturgia cristã: “vestir as palavras de Deus com a beleza da terra”.
O programa preparado pelo Ensemble São Tomás de Aquino junta à voz de Deiss outras vozes, num amplo fresco espiritual, pintado com as cores da piedade mariana e do espírito do Advento e do Natal. John Tavener, James MacMillan, Gabriel Jackson, Ivan Moody, Richard Allain, Alfredo Teixeira (com a poesia de José Tolentino Mendonça) têm em comum o facto de darem continuidade a um trabalho composicional fortemente marcado pela memória da música ritual de diferentes geografias crentes. Assim, este é um concerto a várias vozes, em diversos sentidos, incluindo esse desejo de viver o Natal como uma celebração ecuménica, aberta a todas as vozes de “boa vontade”.
Alfredo Teixeira
“Tentei ser missionário pedindo à beleza para ser um serva de Cristo, colocando nas notas, por vezes tão rebeldes como o sorriso do céu, para que possam ser um caminho para o Senhor.”
Lucien Deiss
“A beleza cria em nós áreas de silêncio em que o apelo de Deus pode ser ouvido e abrir no nosso espírito aquela fenda através da qual Deus pode entrar e seduzir o nosso coração rebelde”
Lucien Deiss
“A alegria do músico é vestir as palavras de Deus com a beleza da terra”
Lucien Deiss