A Irmã Helena Queijo é espiritana. Nasceu em Angola, mas, para além de Portugal, a sua missão tem passado pelo outro lado do Atlântico. Trabalha, desde 2016, no Haiti. De passagem por Portugal, aceitou partilhar connosco um pouco de si e da sua missão.
Nasci em Luanda, no seio de uma família católica. Regressámos de Angola em 1975, tinha eu dez anos. Foi um recomeçar tudo de novo. Ficámos na aldeia dos meus pais e, em 1980, fomos todos viver para a Régua, e, um ano depois, para Godim. Desde a infância à juventude fui marcada por mudanças constantes, que marcaram a minha personalidade, ajudando-me a adaptar com certa facilidade a qualquer situação ou contexto.
“Mais e melhor”
Na Paróquia de Godim fui-me integrando na Catequese, no Grupo de Jovens e no Renovamento carismático. Em 1982 participei num encontro organizado pelos salesianos em Poiares, e foi lá que Deus me chamou, pois durante o encontro nasceu no meu coração esta questão: “E se eu fosse para a vida Religiosa será que eu ia conhecer este Jesus que os jovens falam?” Esta questão já não me largou mais.
Durante três anos procurei a resposta, procurando ajuda naqueles e naquelas que já tinham feito esta opção, pois havia dentro de mim o desejo profundo de partir. Queria ser mais e melhor, queria servir mais e melhor, queria ir mais longe, até às crianças que não tinham tantas condições. Foi assim que em 1985 entrei na Congregação das Irmãs Missionárias do Espírito Santo, em Braga. Aí fiz a minha Profissão Religiosa, em 1988. A minha caminhada ensinou-me a olhar com positividade toda a história da minha vida. “Mais e melhor”, o lema da LIAM tornou-se a minha aspiração mais profunda. Ficou-me gravado quando, em 1990, ajudei a a criar o Grupo da LIAM na Cruz Quebrada.
Após ter concluído o curso de Educadora de Infância em 1993, parti em missão para São Paulo, no Brasil. Ao longo de mais de 8 anos, sinto que gerei, criei, dei vida a muitas pessoas. Estive ao serviço das pessoas e consequentemente a serviço da vida. Não foi o que fiz ou faço, que mais me realizou ou realiza como pessoa, mas o modo como fiz ou faço. Trabalhei na periferia de S. Paulo, como responsável de um Jardim de Infância com 120 crianças dos dois aos seis anos de idade e também fui responsável da Comunidade. Ajudava na Pastoral vocacional e na preparação e formação dos Ministros da Palavra, e na liturgia. Trabalhei também um ano em Minas Gerais.
Em 2002 regressei a Portugal para fazer o complemento ao Curso de Educadora de Infância. Ao terminar a licenciatura em Orientação Educativa em 2004 pediram-me a responsabilidade da direção do Jardim de Infância e a responsabilidade da Comunidade. Em 2011 continuei o mesmo serviço em Alvarães.
Em 2015 a Congregação pediu-me para eu ir mais longe, partir de novo para fora do país. Depois de quatro meses a praticar o Francês em Paris, parti em Março de 2016 para o Haiti.
Missão no Haiti
As Irmãs missionárias do Espírito Santo chegaram ao norte do Haiti em 1976, mas devido aos diversos problemas políticos muitas congregações foram explusas do País, em 1994.
Anos mais tarde, em 1998, a Congregação voltou ao país e está presente na Diocese de Jacmel, na zona sudueste da Ilha. Este ano vivemos em duas comunidades internacionais, com irmãs de Portugal, Moçambique, Nigéria, R. Centro Africana e Senegal.
Em Monchil, as irmãs estão envolvidas na Pastoral paroquial e na visita aos doentes. Elas recebem crianças até aos 6 anos para atendimento nutricional. Três vezes por semana, acolhem também, para a alfabetização, as crianças que não frequentam a escola.
Em Montagne Lavoûte, estamos comprometidas na pastoral paroquial, temos um centro de saúde e nutrição, um Jardim-de-infância, uma Escola Primária e um pequeno centro para crianças com deficiência. Também acompanhamos grupos de atividades geradoras de recursos. Montagne Lavoûte é uma freguesia rural de cerca de 35.000 habitantes que moram espalhados nas montanhas. Todos os acessos às casas são pequenos carreiros, por vezes bem escarpados. Uma estrada no meio das rochas liga-nos à cidade, a 18 km. Os meios de transporte públicos são as motos-taxi. Estamos próximas e ao mesmo tempo longe de tudo. Como toda a população, dependemos do sol e da chuva: do sol para termos alguma energia, para aqueles que têm paineís solares; da chuva para termos água recolhida em cisternas.
Tudo se faz manualmente: cultivar os campos, lavar a roupa. Passar a ferro só com o ferro a carvão. A população vive essencialmente da agricultura e do pequeno comércio. Aqui na montanha não há lojas, nem cafés, nem bancos. Apenas temos feira às quintas-feiras, e aproveitamos para as nossas compras de legumes e frutas. Viver na montanha tem também as suas riquezas: o ar é mais puro, há tranquilidade e segurança, a violência é reduzida e o povo respeita-nos e protege-nos. Mas também, tem os seus desafios. Vivemos numa zona que é atingida muitas vezes por ciclones. E este ano, com as alterações climáticas, a nossa região viveu meses de grande seca. As plantações de março perderam-se completamente por falta de água. A população não recolheu nada, e para agravar mais, o confinamento impediu as pessoas de fazerem o seu pequeno comércio.
Como as escolas não funcionavam, nós partilhamos com a população toda a água das cisternas. Foram meses duros, mas, graças a Deus, a chuva começou a cair. Em agosto fizeram a segunda plantação do ano, mas o ciclone Laura atravessou a nossa região e fez alguns estragos.
Desafios
Para nós, o primeiro grande desafio é aprender a língua, o Crioulo, e conhecer pouco a pouco a cultura do País. Outro grande desafio na montanha são as estradas, muito íngremes, de terra e rocha, em como os pequenos carreiros de acesso às casas. Demorei seis meses a curar de um entorse sofrido num deles!
Mas o desafio maior é manter esta missão, pois dependemos de ajuda externas. A pequena colaboração que os pais dão não cobre todas as despesas, por isso as ajudas vêm das nossas famílias, amigos, benfeitores e de projetos que fazemos para podermos responder aos muitos desafios que se apresentam cada dia.
Ao escrever e ao partilhar a minha experiência, foi necessário antes de mais, descobrir tudo o que brotou e brota da vida, pois ela é construída de pequenos nadas. Se não os souber agarrar, ela se esvai e me escapa. São esses pequenos nadas, vividos com intensidade que dão beleza à vida. É hora de construir, é hora de gerar, é hora de parar e começar a amar. O caminho é amar e viver amando.
É urgente continuar a servir, porque tudo é uma missão, e missão é um serviço, é dar-se sem esperar recompensa, é ser semente que morre na terra, sem saber nem conhecer os frutos, porque tudo é obra do Amor de Deus.