Festa de Cristo, Rei do Universo
Convenhamos que os tempos que correm não sopram de feição às realezas que, aqui e ali, ainda sobrevivem, quase todas reduzidas a uma função meramente simbólica. Este contexto não ajuda à compreensão correta da festa de Cristo, Rei do Universo, deslocada já há alguns anos para o fim do ano litúrgico.
Voltemo-nos, por isso, para os textos da liturgia de hoje. S. Paulo apresenta-nos as razões fundamentais da realeza de Cristo: é o primogénito de toda a criatura; tudo foi criado por Ele e n’ Ele tudo subsiste; Ele é o princípio, em tudo Ele tem o primeiro lugar. Reconhecer esta realeza não é rebaixar-se, bem pelo contrário, pois é n’Ele e só n’Ele que temos a redenção, o perdão dos pecados.
Apesar disso, não é fácil a ninguém reconhecer esta realeza de Cristo. No cenário do calvário, só um dos ladrões conseguiu intuí-la! E porquê? Porque não é ao nosso jeito, nem ao nosso gosto! Os chefes dos Judeus queriam uma demonstração espetacular. Por sua vez, o outro ladrão só queria tirar proveito dela, para escapar ao suplício a que estava a ser sujeito.
Nos tempos de hoje, é o forte desejo de autonomia, de independência e de autodeterminação, que mais dificulta a aceitação da realeza de Cristo: o homem de hoje quer ser senhor da sua vida e do seu destino e o critério único da sua moralidade. Como aceitar, então, uma realeza, cujo trono é a cruz e a sua coroa é tecida de espinhos, em que “reinar é servir” e a sua bandeira é “tive fome e destes-Me de comer, estava com sede e destes-Me de beber, estava nu e vestistes-Me, estava doente ou na cadeia e fostes visitar-Me” (cf. Mt. 25).
Que significado tem para cada um e cada uma de nós a realeza de Cristo? Aceitamo-la, assumimo-la e proclamamo-la com a nossa vida, a nossa maneira de ser e de estar e de nos relacionarmos com os outros ou sujeitamo-nos a ela? Procuramo-la ativamente, porque por ela e nela também nós somos verdadeiramente reis, ou trata-se de algo que “nem aquece nem arrefece”?
Na verdade, aceitar a realeza de Cristo implica identificar-se com a sua constituição, com o seu projeto, com os seus valores. As suas fronteiras não são geográficas: elas atravessam o coração de cada um de nós, pois o Reino de Cristo encontra-se onde houver “verdade e vida, santidade e graça, justiça, amor e paz”. Por isso, até um ladrão arrependido pôde entrar nesse Reino!
Assim sendo, celebrar esta festa de Cristo é também empenhar-se em que o seu reinado cresça em cada um de nós e à nossa volta, resistindo a todo o género de idolatrias tiranizantes a que estamos constantemente expostos. Esta será a melhor forma de proclamar que Ele é mesmo o nosso Rei!