O Vaticano estava a rebentar pelas costuras a 14 de setembro. Os bilhetes-convite para entrar na Praça de S. Pedro esgotaram-se dias antes. A razão era simples: a canonização do Papa Paulo VI, D. Óscar Romero e mais dois padres, duas Irmãs e um Leigo. A festa tomou conta de Roma desde muito cedo. O momento mais forte foi o da Canonização, muita aplaudido pela multidão imensa ali presente. O Papa Francisco, na homilia, deu razões fortes para que a Igreja tivesse mais sete santas e santos como inspiração de vida cristã de radical entrega. A saída do Papa da Praça foi de euforia, transformado em ambiente de festa para os muitos grupos que vieram celebrar os ‘seus santos’.
Vidas simples
João Baptista Montini nasceu na Lombardia, Itália, em 1897 e foi Ordenado Padre em 1920. Especializado em diplomacia, exerceu-a fora de Roma e, depois, na Secretaria de Estado do Vaticano. Durante a II Grande Guerra Mundial, foi um dos responsáveis pelo apoio aos perseguidos pelo nazismo em Roma. Arcebispo de Milão desde 1953, pertenceu á Comissão que preparou o Vaticano II. Com a morte de João XXIII, o Cardeal Montini foi eleito Papa e escolheu o nome de Paulo VI. Concluiu o Concílio e lançou as bases da sua aplicação.
Óscar nasceu pobre, em 1917. Entrou adolescente no Seminário, foi Ordenado Padre. Exerceu o seu ministério sacerdotal num país – o seu, El Salvador – que ia derrapando para uma ditadura que se tornou particularmente agressiva nos finais dos anos 70, quando o mundo já caminhava para um novo milénio. Experimentou, como pároco e capelão de prisão, a miséria mais profunda do seu povo e a barbaridade da governação feita pela ditadura militar do seu país.
Heranças enormes
Paulo VI lançou o Sínodo dos Bispos em 1965. Iniciou as viagens Missionárias, percorrendo os cinco continentes. Anunciou em 1967 o 1º Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1968). Instituiu, por ordem do Concílio, o Dia Mundial das Comunicações Sociais.
D. Óscar, após alguma experiência episcopal, é nomeado Arcebispo da capital em 1977. O golpe de Estado de 79 agudizou a situação já dramática de El Salvador, pois instalou uma repressão duríssima no país, com muitos assassinatos. A Igreja, a partilhar a vida dos mais pobres, também não foi poupada nesta onda de morte e dois dos padres da Diocese seriam barbaramente assassinados por terem acolhido agricultores que se refugiaram nas suas paróquias. D. Óscar, como pastor e pai, saiu em sua defesa, denunciando as barbaridades do governo e exigindo liberdade e respeito pelos direitos humanos. Disse um dia: ‘estou disposto a tudo!’. Assim se poria a jeito para que houvesse um ‘acidente’ a qualquer momento. Seria assassinado quando presidia à Missa na Capela do Hospital, com doentes oncológicos e seus enfermeiros. Levou um tiro de um atirador profissional naquela manhã de 24 de Março de 1980!
Paulo VI publicou documentos de actualidade intocável. Cito apenas dois: a Encíclica ‘Populorum Progressio’ (1967) sobre o desenvolvimento dos povos e a Exortação Apostólica ‘Evangelii Nuntiandi’(1975) sobre a urgência e actualidade do anúncio do Evangelho. Morreu a 6 de Agosto de 1978.
Inspiração contínua
A morte violenta de D. Óscar Romero, que pretendia remete-lo ao silêncio e aumentar o pânico nos contestatários do regime, obteve um efeito contrário. El Salvador passaria para as bocas do mundo e o regime militar desacreditado. A coragem profética de D. Óscar Romero deu força a quantos, por essa América acima e abaixo, lutavam contra ditaduras que perpetuavam e aumentavam a pobreza das populações.
D. Pedro Casaldáliga, bispo-poeta claretiano no Brasil, escreveu, por ocasião do martírio, um longo poema que conclui assim: ‘Soubeste beber o duplo cálice do Altar e do Povo com essa mesma mão consagrada ao serviço. A América Latina já te elevou à glória de Bernini (…). S. Romero da América, pastor e mártir nosso, ninguém há-de calar a tua última homilia’.
D. Pedro Casaldáliga seria ‘profeta’ ao escrever este texto em 1980. D. Óscar Romero, depois de beatificado, seria ‘elevado à glória de Bernini’ (ou seja, canonizado) a 14 de outubro, em pleno mês missionário e durante o Sínodo sobre os Jovens.
O Papa Francisco, numa curta homilia, pediu que se cumprisse o Evangelho escutado: ‘o que tens, dá aos pobres, vem e segue-me!’. Lembrou que Jesus não faz teoria sobre a pobreza, mas vive-a e propõe que a vivamos no dia a dia. Terminou com uma afirmação forte. Disse: ‘Para Jesus, no amor não há espaço para percentagens. Para Ele, é tudo ou nada! E este é o testemunho que nos deixam os santos hoje canonizados’.
No altar e na vida do povo
O Papa Francisco elevou-o aos altares, juntamente com o Papa Paulo VI e outros modelos de vida e de missão. Referência obrigatória para a América Latina, é-o agora também para o resto do mundo. Paulo VI e D. Óscar, com os seus estilos de vida simples, de pastores capazes de dar a vida pelas suas ovelhas, constituem inspiração para quantos querem ver o Evangelho praticado e os direitos humanos respeitados.