27º Domingo do Tempo Comum
Nestes tempos conturbados, de divórcios em catadupa, em que se apregoa o ‘amor livre’, os casamentos ‘à experiência’ e, até, se reclama a paridade das uniões homossexuais com o casamento tradicional, a Palavra do Senhor deste domingo convida-nos a regressarmos aos começos: “no princípio não foi assim”. Foi o argumento que Cristo usou.
Sem esta referência, o rumo certo é difícil de encontrar. Mas não confundir com um simples regresso ao passado. Este ‘no princípio’ tem a ver com o projeto por Deus amorosamente elaborado e gostosamente realizado, que levou o autor bíblico a exclamar: “E Deus viu que era tudo muito bom”! É por ele que Deus continua a pautar a sua atuação.
O grande problema dos nossos tempos é que se pretende eliminar este ‘princípio’ dos princípios, para se tornar cada um de nós a origem e fonte dos seus critérios e valores, isto é, dos seus princípios. Só que daqui não resulta apenas um relativismo total, onde acaba por imperar a lei do mais forte, mas faz o ser humano depender de si mesmo e dos outros. O resultado está à vista: julgando com esta atitude afirmar a sua real liberdade, o ser humano fica, ao contrário, totalmente dependente dos seus caprichos e inclinações, que transformam o outro num objeto descartável, do qual me sirvo enquanto me convém, segundo a moda da época ou a onda do capricho.
É bem intencional a aproximação que o evangelista S. Marcos faz entre esta temática e a apologia das crianças: precisamos de recuperar a capacidade de encantamento perante o outro – homem ou mulher – e a capacidade de abandono nas mãos de Deus, pois os caminhos que Ele nos propõe são sendas de bênção, de vida e de felicidade.
Magistral também é a forma como o texto da primeira leitura nos apresenta, não como a criação foi feita, mas a visão de Deus sobre a criação, o homem e a mulher! Com efeito, fazendo desfilar diante do homem todos os seres vivos – aves e animais – para que lhes atribuisse o respetivo nome, o autor afirma a superioridade do ser humano, chamado a ser o rei da criação. Por sua vez, ressaltando a ‘distância’ a que todos os seres vivos se encontram do homem e a consequente ‘solidão’ em que o mesmo está mergulhado, o texto faz o enquadramento devido para definir a mulher como o complemento à altura, igual em dignidade – “osso dos meus ossos e carne da minha carne”- mas diferente, para a complementaridade.
Jesus não ignorava que o caminho da fidelidade é um caminho exigente e não isento de dificuldades e de sofrimento. Por isso, a Carta aos Hebreus nos apresenta Jesus como o homem perfeito, “coroado de glória e de honra”, mas que atingiu essa glória perfeita “pelo sofrimento”. E recorda-nos o mesmo texto que é por este caminho que Deus, “origem e fim de todas as coisas”, quer “conduzir muitos filhos para a sua glória”. Deixemo-nos, pois, reconduzir por Jesus ao “princípio” de tudo, que é o coração do nosso Deus, pois só n’Ele encontraremos a verdadeira liberdade e a felicidade plena!
O Pe. Henri Caffarel, fundador do Movimento das Equipas de Nossa Senhor, pôde escrever: “O casamento é uma obra de Deus, é a obra-prima de Deus. O casamento tem uma alma, que é o amor: esquecer o amor é condenar o matrimónio. O vértice da pirâmide não é o indivíduo, mas sim o casal”.
Se, há cinquentas anos atrás, o Concílio já designava o divórcio como uma ‘praga’, hoje o menos que se pode dizer é que se brinca ao(s) casamento(s), dadas a ligeireza com que se desfaz o vínculo matrimonial e a legislação que, facilitando o respetivo processo, o favorece. Compete aos casais cristãos dar testemunho de que a fidelidade conjugal é não só possível, mas, sobretudo, que ela é fonte e caminho para a verdadeira felicidade!