23º Domingo do Tempo Comum
Para revigorar e fortalecer a esperança dos judeus, que estavam ressequidos, desiludidos e desanimados pelo prolongamento sem fim à vista do seu exílio, Deus promete-lhes não apenas o regresso à sua pátria, mas uma restauração plena, onde não haverá mais lugar para qualquer deficiência física no ser humano, e toda a criação sofrerá uma transformação completa, a ponto de a água abundar no próprio deserto.
Este anúncio messiânico começa a ter a sua realização plena na pessoa de Jesus, hoje apresentado a curar um surdo, quase mudo. O anonimato deste homem e a sua não pertença ao povo eleito fazem dele um símbolo da universalidade da intervenção benfazeja do Messias, que não se restringe a um povo ou grupo privilegiado, mas atua em benefício de todos.
A importância dada ao ‘ritual’ com que Jesus opera esta cura, pretende levar-nos para além dela e apresentá-la como paradigmática, apontando para a importância do ouvido e da fala como meios de se estabelecer relação entre os seres humanos. Por constituição e por vocação, o ser humano está chamado a relacionar-se com os outros humanos, com a criação e com Deus. Surdez e mudez representam, por isso, uma incapacidade ou grande limitação para esta dimensão fundamental da pessoa humana. Com efeito, ser pessoa é ser relação. Por isso, toda a forma de solidão, procurada ou imposta, constitui grave ameaça à vida e à saúde integral do ser humano. “Abre-te” à relação, à comunhão, à solidariedade, à partilha com todos é, pois, o desafio que Jesus lança também a cada um de nós.
Mas, os cristãos, no seguimento e com a força de Cristo, são chamados a não cair na aceção de pessoas, baseada na fama, importância, riqueza ou posto de chefia, e que limita e enfraquece a relação, mas a todos respeitar na sua comum e igual dignidade.
É para este ‘desalinhamento’ dos critérios do mundo que nos aponta o texto de S. Tiago, convidando-nos a pautar as nossas atitudes não pelo critério do mais importante, do mais rico, do mais forte, mas pelo respeito igual por todo o ser humano. Ou melhor, a optar pelo ‘outro prato da balança’, sem, no entanto, excluir ninguém, já que Deus “escolheu os mais pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu”.
Em tempos de tanta comunicação como são os períodos eleitorais, precisamos de valorizar as intervenções destinadas não apenas a comunicar, mas sobretudo a gerar comunhão, pelo respeito, pela clareza, pelo empenho em fortalecer a esperança e gerar consensos à volta das questões essenciais da governação e da vida das pessoas e dos povos. Ao contrário, a calúnia, a guerrilha verbal, o insulto e a insinuação não apenas descredibilizam quem por aí navega, mas geram um clima de pessimismo e de desconfiança, que não ajuda a construir.
Por isso, a melhor forma de louvarmos o Senhor pelo dom maravilhoso da fala e do ouvido é tornarmo-nos derrubadores de todas as formas de surdez – por alheamento, solidão e isolamento – e geradores de comunhão, construindo pontes que aproximem as pessoas, sem excluir ninguém.