D. António Couto, Bispo de Lamego – Revista Missão Espiritana 27
1. «Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós» (Jo 15,16). Peguei nesta frase de Jesus para dizer o que penso ser possível dizer do «servo bom e fiel», amigo sincero e missionário inteiro, que foi o P. José Manuel Sabença. Em boa verdade, sou dos que penso que poucas coisas nos é dado escolher. Sou cada vez mais levado a ver que o veio mais fundo que vai urdindo a nossa identidade não depende de nenhuma das nossas escolhas, pois vem de antes de nós, de antes de a nossa memória registar qualquer sinal, de antes do ventre materno (cf. Jr 1,5). Nós não escolhemos Deus nem o Amor nem o Bem. Deus entra-nos pela casa dentro, sem bater à porta e sem pedir licença, e elege-nos, sem nos ouvir, marca-nos com uma eleição que não prescreve, confia-nos uma missão que não podemos rescindir, entrega-nos um Amor a que não nos podemos subtrair.
2. O que fica dito, de teor muito bíblico e levinasiano, é para deixar o P. José Manuel completamente na mão de Deus, ao dispor de Deus, ao sabor de Deus. E a viagem em que embarcou, ao mesmo tempo transitiva e intransitiva, mais intransitiva do que transitiva, ainda é escrita fina de Deus. Quero dizer, para sempre escrita e oferecida ao esforço da leitura, como aquela viagem para Emaús e de Emaús, com os nossos olhos esbugalhados de espanto perante aquele ignorado companheiro que ocupa sempre o meio, quer quando faz perguntas fáceis para as nossas respostas sempre erradas e mirradas por míngua de leitura e compreensão, quer quando nos prega um bom par de fintas pedagógicas, quer quando bendiz e parte o pão, quer quando desaparece e nos deixa a contemplá-lo bem presente nessa ausência.
3. Acesa outra vez a vista do coração, aí vamos nós outra vez de volta; retomamos a viagem transitiva e sobretudo intransitiva, e reparamos que levamos tanta coisa para contar. Mas primeiro, sempre primeiro, temos de nos sentar e deixar aquecer e alumiar por aquela labareda do Senhor Ressuscitado (cf. Lucas 24,34). Obrigado, José Manuel! Fala ao Senhor de nós.