Assunção acolheu-me num dia de tempestade tropical. O calor era forte, mas a chuva ajudou a refrescar. O P. José Costa, responsável pelo Noviciado latino-americano, levou-me até San Lorenzo, cidade periférica da capital. Lima, no interior do país, acolheria, no Dia Mundial das Missões, a celebração jubilar dos 50 anos da chegada dos Espiritanos ao Paraguai. Foi num contexto campesino e guarani que os Missionários iniciaram uma Missão que tem agora seis frentes de pastoral.
Noviciado latino americano e paróquia
Os Espiritanos animam a Paróquia da Virgem do Rosário no bairro Reducto, com uma dezena de comunidades. Lá funciona também o Noviciado, com jovens idos do México, Porto Rico e Brasil. Na geografia desta Paróquia está o Hospital pediátrico ‘Acosta Ñu’ que o Papa Francisco visitou, sempre acompanhado do P. Victor Oliveira, há 40 anos missionário entre os povos guaranis.
Com o P. José Costa, visitei diversas das Capelas da vasta Paróquia que os Espiritanos assistem. É meio rural, com muitas ‘aldeias’ novas, resultantes de construções de quem veio do interior do país à procura de oportunidades de vida melhor. Claro que, na maioria dos casos, não as encontram e têm de viver com muita pobreza.
Ir até à cidade de San Lorenzo permite entrar um pouco na alma deste povo guarani, percebendo uma das suas práticas mais comuns: a de andar sempre com um termos de água na mão para tomar o mate (quente, de manhã) ou o téréré (frio, mais para a tarde). É impressionante visitar o mercado de rua e ver a quantidade de vendedores de ‘ervas’. Como também impressiona ver as pessoas com a ‘guanpa’ (recipiente para o mate e o téreré), a ‘bombilha’ (para chupar) e o copo. Também há muita fruta… muitas vozes, muita alegria, muito futuro.
Apoiar crianças de rua no mercado
O Mercado abastecedor da capital é enorme, cheio de grandes armazéns e muitas lojinhas, com milhares de pessoas a comprar, a vender e a deambular por ali. Há muitas crianças de rua que os Espiritanos começaram a apoiar quando criaram o projeto ‘Gotas de Amor’. Todas as quartas, há missa numa capela improvisada no meio do mercado. Todos os sábados, há cinco equipas de rua que vão distribuir almoço para as crianças e outros pobres. Acompanhei-as numa das suas missões. É um trabalho pastoral e social de enorme relevância dada a dureza da vida destas crianças sem nada. No domingo anterior, um incêndio de grandes proporções reduzira a cinzas toda uma parte do mercado, mandando para a miséria dezenas de vendedores.
Jubileu de 50 anos dos Espiritanos
A celebração jubilar foi Domingo das Missões (22 de Outubro), em Lima, lá no mundo guarani, a 4,5h de Assunção. Foi ali que os espiritanos chegaram há 50 anos. Os Padres Albino Victor (natural de Cerva-Ribeira de Pena) e Saturnino Afonso (Cabo Verde) prepararam-se para receber mais de 500 pessoas idas de todas as Paróquias confiadas aos Espiritanos.
Estiveram ainda convidados Espiritanos de Portugal, Espanha, Polónia, Canadá, EUA e Brasil, os países de onde saíram os missionários do Paraguai. Presidiu D. Pedro Juvinbille, espiritano do Canadá que é agora o Bispo desta parte pobre do país. Há 50 anos, quem acolheu os missionários foi o Bispo de Concepción que, por isso, também se associou à festa. S. Pedro viria a desmembrar-se uns anos mais tarde, quando foi criada como Diocese.
A Eucaristia foi o ponto alto deste Jubileu. A grande Igreja foi pequena para tal multidão em festa. O P. Victor Oliveira, Superior do Grupo e Pároco de Lima, saudou os presentes e contou a história. D. Pedro evocou as razões fortes da chegada dos Espiritanos: o anúncio do Evangelho e o combate aos problemas graves de distribuição de propriedade. Lembrou que tais problemas ainda não foram solucionados, pela que a Missão mantém uma actualidade total.
Além dos cânticos habituais de uma Missa, houve a Entronização da Palavra com uma dança típica guarani, que a todos marcou. O povo aplaudiu a citação de todos os nomes dos Missionários que por ali passaram durante meio século. Alguns deles estavam ali de visita.
Os jovens, numa encenação de ação de graças, parafrasearam o P. Francisco Libermann, um dos fundadores dos Espiritanos, quando disseram: ’os Espiritanos são homens brancos que se fizeram negros com os negros e homens negros que se fizeram brancos com os brancos!’. Hoje, são doze os Espiritanos no país, chegados de Portugal, México, Espanha, Angola, Nigéria e Cabo Verde. Como lembrava o Superior Geral, na mensagem lida, este é um grupo marcado pela internacionalidade.
Após esta Eucaristia tão animada, houve almoço oferecido a todos e uma tarde de cultura e recreio, cheia de música, dança, coreografias, com muita participação e apelos constantes à Missão.
A cultura de um povo
A história do Paraguai fala de um povo sofrido, pois teve guerras ao longo da história que quase sempre perdeu. É um dos países sem acesso ao mar. Além do mate e do téréré, a cultura paraguaia tem expressões originais. Por exemplo, o ‘nanduti’, um tecido em forma de teia que se faz como as rendas de bilros. É fruto de uma tradição que assenta numa bela e ancestral história de amor. Também impressiona ver o impacto das ’empanadas’ na vida do povo. São uma espécie de ‘rissóis de carne’ que servem de refeição a muita gente pobre. Por isso, a todo o momento ouvimos gente a apregoá-las nas ruas, de casa em casa… O mesmo se diga da ‘chipa’, uma espécie de pão de queijo, tão típico do Brasil. Há ainda dois outros bens alimentares que provocam estranheza: a ‘sopa paraguaia’, sólida, um empadão seco de farinha e queijo; o ‘cozido’ que é, nem mais nem menos, um dos chás mais utilizado nas viagens.
Há muitas árvores no meio das estradas, o que dificulta o trânsito e chama a atenção de quem vem de fora. A razão é histórica: o ditador Strossner emitiu uma lei de ‘tolerância zero’ ao abate de árvores. E todos tomaram tão a sério que, ao fazer ou melhorar caminhos e estradas, ali as deixaram, calcetando ou alcatroando dando-lhes a volta!
Nossa Senhora de Caacupé
É o Santuário Nacional do Paraguai. Terminei esta visita ao Paraguai com uma peregrinação ao santuário de Nossa Senhora de Caacupé, a 50 kms de Asunción. É um morro bafejado pela beleza da natureza, para onde os paraguaios se dirigem todo o ano, sobretudo a 8 de dezembro, a festa principal. A Basílica é grande e bela. Diante da imagem, os peregrinos colocam a sua mão e rezam, colocando nas mãos de Nossa Senhora as suas preocupações e anseios de futuro.
No regresso a San Lorenzo, impôs-se a visita ao Santuário de Schoenstat, um espaço amplo no meio da natureza, equipado com boas estruturas para celebrações, visitas e actividades de carácter espiritual.
Uma Missão a continuar…
50 anos depois, os Espiritanos têm duas frentes geográficas fortes: em Assunção e suas periferias (Casa Laval, San Pablo, Fernando de la Mora, San Lorenzo) e em contexto guarani interior (Villa del Rosario, Lima, Sra de Fátima-Gen Resquin). São poucos com muito trabalho. Há um longo caminho a percorrer para cimentar a Congregação no país, formando mais padres e irmãos e aprofundando a partilha de Missão com Leigos que se sentem já parte desta grande família missionária.
Tony Neves
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